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SP fracassa em redução de emissões, mas governo quer zerá-las até 2050

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O estado de São Paulo não cumpriu sua meta climática dos últimos anos, a de diminuir em 20% seus gases-estufa até 2020, com base nos números de 2005. Mesmo assim, o atual governo paulista garante que será possível cumprir uma nova promessa, de zerar as emissões até 2050.

Isso apesar de as emissões terem diminuído apenas cerca de 0,7% em 15 anos, segundo dados recém-lançados pelo Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa).

Em 2005, São Paulo emitiu cerca de 142,8 milhões de toneladas de CO‚‚e (leia CO‚‚ equivalente, medida que soma todos os gases-estufa). Desde então, as emissões subiram consideravelmente e chegaram a atingir, em 2013, 170 milhões de toneladas de CO‚‚e.

Em 2020, após um período de queda e com um empurrão considerável da pandemia, o estado chegou a cerca de 141,7 milhões de toneladas de CO‚‚e jogados no ar –pela meta original, esse valor deveria estar por volta de 114 milhões de toneladas de CO‚‚e. Se esse ritmo fosse mantido (o que seria difícil de imaginar, considerando a evolução tecnológica, e a preocupação e investimento mundiais no tema), seriam necessários milênios para esse valor chegar a zero.

Considerando o mesmo espaço de tempo e todo o Brasil, houve uma redução de 19% nas emissões. Mas a situação nacional é distinta do contexto paulista. No país, a principal fonte de emissões é o desmatamento (passível de controle sem maiores transformações tecnológicas), que, apesar de estar atualmente em níveis altos (10,9 mil km² em 2020), está distante dos mais de 19 mil km² derrubados em 2005.

A questão climática paulista ganhou recentemente mais terreno, com a participação de João Doria (PSDB) na COP26, a conferência das Nações Unidas para mudanças climáticas. Ao lado de outros governadores brasileiros, o tucano foi a Glasgow, no Reino Unido, para tentar se afastar da imagem nacional arranhada pela condução da política ambiental sob Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente não foi ao encontro.

“É um mundo unido, na defesa do meio ambiente. E o Brasil, através de São Paulo e outros nove governos estaduais, participa, também, defendendo o meio ambiente”, disse Doria na conferência.

O governador também anunciou que a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) vai investir R$ 100 milhões em pesquisas sobre preservação da Amazônia, em parceria com os estados da região.

Ele não comentou o fato de o estado não ter atingido a meta de redução de emissões. O compromisso foi instituído na lei 13.798, de 2009, assinada pelo então governador e hoje senador José Serra (PSDB).

Segundo Eduardo Trani, atual subsecretário de Meio Ambiente do estado, a meta de redução de gases da política local tinha um sentido mais aspiracional do que prático. “Obviamente não vamos cumprir os 20%. Mas em alguns setores nós evoluímos”, afirma.

Ele cita como pontos de sucesso a demarcação de unidades de conservação e o controle do desmate da mata atlântica no estado –nos últimos anos, desmatamento zero, ou seja abaixo de cem hectares.

A exceção foi 2020, com aumento de 400% no desmate, mais de 200 hectares, segundo a ONG SOS Mata Atlântica, Segundo Trani, a maior parte foi autorizada.

“Cumprimos, nesses dez anos, algo que outros estados não conseguiram”, afirma o subsecretário, referindo-se ao controle do desmate.

Trani também aponta o crescimento de 5% na vegetação nativa nos últimos dez anos, segundo dados do Inventário Florestal, o que levou o estado a um total de cobertura vegetal de 22,9%.

A lei paulista foi feita em 2009, momento no qual o Brasil era tido como um dos líderes mundiais em política climática, na gestão do então presidente Lula (PT). O país foi a primeira nação em desenvolvimento a apresentar metas voluntárias de redução de emissões.

No mesmo ano, porém, o assunto acabou sofrendo um baque na arena internacional quando a COP15, que começou com grandes expectativas, terminou sem um pacto para combater a crise climática. O acerto acabaria acontecendo só seis anos depois, com o Acordo de Paris –que, em linhas gerais, tem o objetivo de manter o aquecimento do planeta abaixo de 1,5°C.

Na esteira, a cidade de São Paulo também fez compromissos. E também os descumpriu. A meta era reduzir em 30%, até 2012, as emissões municipais, com base no volume de 2003.

Segundo Natalie Unterstell, coordenadora do projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, aquele era um momento em que o poder público queria demonstrar a intenção de descarbonizar a economia, mas com horizontes muito distantes.

“Foi com o Acordo de Paris, em 2015, que demos uma virada. Reconhecemos que todos têm que contribuir e que tais esforços precisam ser para valer. Isto é, ser implementados”, afirma a especialista. “Eram metas voluntárias, não estavam vinculadas a nenhum mecanismo de sanção. Mas, no caso de estados que assumiram como lei estadual, eles poderiam ser questionados judicialmente.”

Josilene Ferrer, assessora da presidência da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e professora da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), afirma que a lei paulista propôs uma meta que não era ancorada em estudos suficientes.

Ela aponta que um desafio do país é a ampla base energética renovável, baseada principalmente em hidrelétricas. Isso muda o processo de redução de emissões na comparação com outros países que dependem de carvão.

“Não basta escrever no papel e tornar lei para se tornar uma realidade”, resume Patrícia Iglecias, diretora-presidente da Cetesb. “O importante é colocarmos a realidade dos fatos e partirmos para aquilo que efetivamente pode ser cumprido. A pior coisa é a lei que não pegou. Às vezes não pega por não ter viabilidade de realização.”

A nova meta paulista, posta no decreto 65.881, de 2021, por Doria, é a neutralidade de emissões até 2050, ou seja, fazer com que os gases-estufa emitidos sejam, pelo menos, compensados por absorções de gases, feitas por florestas, por exemplo. O objetivo é igual ao do Brasil, conforme anunciado na COP26.

O decreto dispõe sobre a adesão de São Paulo à campanha Race to Zero, da ONU. Os detalhamentos das ações e de metas intermediárias, porém, ainda não foram publicados.

As emissões paulistas são provenientes principalmente do setor de energia, o que engloba a queima de combustível. Estão dentro disso, portanto, parte da indústria, geração de eletricidade e os transportes –atividade com maior peso nos números de São Paulo.

“O setor de transporte a diesel é o maior ‘vilão’ do nosso setor de energia”, diz Trani. O combustível, o mais usado no país, é destinado principalmente para transporte de carga.

“Esse setor está na esteira de mudanças que vamos ter que trabalhar fortemente. Como substituição dos insumos energéticos”, diz o subsecretário, referindo-se ao biodiesel, combustível que, por ser feito a partir de plantas, e não de petróleo, é considerado neutro em emissões.

Segundo Trani, além de apresentar opções energéticas e de transportes de carga alternativos, como hidrovias, o governo estadual também deve aumentar o foco na inspeção veicular. “No Brasil, a frota de veículos é antiga. Os caminhões antigos têm que ser substituídos. É um tema que vamos ter que enfrentar por várias vias.”

Além do transporte de carga, o de passageiros também tem grande participação nas emissões do estado. Na capital, os veículos a gasolina são um dos principais vilões, afirma Felipe Barcellos, pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente).

Para 2021, com parte da movimentação das pessoas voltando a níveis anteriores à pandemia, as emissões dessa fatia devem voltar a crescer. Em grande medida, cabe aos municípios tomar atitudes, mas o apoio estadual é importante, diz Barcellos.

Ele elogia a proposta da capital de reduzir as emissões dos transportes. Uma das metas é conseguir chegar até 2028 com 50% dos ônibus municipais com zero emissões –e alcançar 100% em 2038.

Apesar das metas ambiciosas, objetivos mais próximos já começaram a ser descumpridos na cidade. Para 2021, estavam previstos 2.620 ônibus elétricos rodando em São Paulo. A realidade é de uma frota de somente 219 veículos.

“Esse atraso vai tornando a bola de neve maior”, diz Barcellos.

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