Economia

Por que é possível ganhar US$ 1 bilhão na loteria e ainda ir à falência

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O prêmio acumulado de US$ 1,5 bilhão de uma loteria americana saiu para um único apostador. Mas o ganhador pode não ter tanta sorte quanto parece, segundo estudos.

A Mega Millions estava acumulada havia 25 concursos, desde o fim de julho, por falta de vencedores. Em outubro, finalmente pagou o segundo maior prêmio de loteria da história dos EUA.

A probabilidade de ganhar é muito pequena – aproximadamente uma em 303 milhões. Ou seja, você tem cerca de 400 vezes mais chances de ser atingido por um raio.

Se cada adulto nos EUA comprasse apenas um bilhete, com combinações de números diferentes, ainda haveria uma probabilidade razoável – cerca de 7% – de não haver vencedor e de o montante crescer ainda mais.

Mas, uma vez que o ganhador é anunciado e retira o prêmio, surge outra questão mais interessante: o que acontece com todo aquele dinheiro? Estudos feitos por Jay L. Zagorsky, da Universidade de Boston, e outros pesquisadores mostram que muitas vezes não é o que você imagina.

Um prêmio menor do que parece

Ganhar na loteria pode ser uma maldição em vez de uma bênção — Foto: Marcelo Brandt/G1

A primeira coisa a ter em mente é que, embora o valor do prêmio seja muito alto, o pagamento real será muito menor.

O vencedor não receberá um cheque de US$ 1,5 bilhão no dia seguinte. Como único ganhador, ele ou ela pode escolher entre um pagamento único de cerca de US$ 878 milhões ou receber US$ 1,5 bilhão em parcelas anuais que aumentam progressivamente em 30 anos.

Depois disso, vem a mordida do imposto. Se o vencedor for de um Estado americano que não cobre imposto sobre loteria, como a Flórida ou o Texas, e optar por um montante único, o governo federal vai abocanhar US$ 211 milhões, restando US$ 667 milhões.

No caso, o bilhete premiado teria sido comprado na Carolina do Sul, que morderia mais 7%, deixando o vencedor com cerca de US$ 606 milhões.

O prêmio está começando a diminuir, embora ainda reste uma porção generosa.

Para onde vai o dinheiro

No imaginário popular, ganhar na loteria é sinônimo de mudar de vida. Em artigo de 2001, os economistas Guido Imbens e Bruce Sacerdote, em parceria com o estatístico Donald Rubin, mostraram isso provavelmente acontece, mas que as pessoas tendem a gastar ganhos inesperados.

Uma análise financeira de ganhadores de loteria, realizada cerca de dez anos depois de eles conquistarem o prêmio, revelou que essas pessoas economizaram apenas 16 centavos de cada dólar recebido.

Em minha própria pesquisa, descobri que indivíduos que receberam uma herança ou uma grande doação financeira aos 20, 30 e 40 anos perderam rapidamente metade do dinheiro por causa de gastos ou investimentos mal feitos.

E outros estudos mostraram que ganhar na loteria em geral não ajuda quem tem dificuldade financeira a resolver seus problemas – apenas adia a inevitável falência. Um desses estudos revelou que um terço dos ganhadores perde tudo.

Não é fácil ‘torrar’ tudo

Muitos ganhadores usam o dinheiro para comprar carros de luxo — Foto: Divulgação/Porsche

Como um ganhador de loteria consegue gastar centenas de milhões de dólares tão depressa? Não é fácil.

Uma pesquisa demográfica sobre as características dos apostadores sugere que o auge das apostas em loteria acontece quando as pessoas estão na faixa dos 30 a 39 anos e diminui à medida que elas envelhecem. Nos EUA, a expectativa de vida nos EUA é de 79 anos.

Supondo que o vencedor esteja na casa dos 30 anos, significa que ele teria cerca de 45 anos para gastar, digamos, US$ 900 milhões (após a taxação). Isso quer dizer que ele precisaria desembolsar pouco menos de US$ 20 milhões por ano ou aproximadamente US$ 55 mil por dia para acabar com o dinheiro – ainda considerando os juros acumulados no banco.

Além disso, gastar tudo significa que o ganhador não tem bens. Se ele usasse o dinheiro para comprar casas de luxo, quadros do Banksy, Ferraris e Aston Martins, seu patrimônio líquido não mudaria e ele seria capaz de se aposentar com sua riqueza intacta – pressupondo que o valor dos investimentos se mantivesse ou aumentasse.

“Torrar” todo o dinheiro, o que leva à falência e pouca poupança, significa que o vencedor não tem nada palpável para comprovar seus gastos, além do fato de ter se divertido.

Da riqueza à sarjeta

E foi basicamente isso que um homem chamado Huntington Hartford fez.

O americano, que viveu de 1911 a 2008, herdou a fortuna da Great Atlantic & Pacific Tea Company. A empresa, aberta pouco antes da Guerra Civil, é mais conhecida como a rede de supermercados A&P.

Foi a primeira loja de alimentos de costa a costa dos EUA e, da Primeira Guerra Mundial até a década de 1960, era o que o Walmart representa para os consumidores americanos de hoje.

Hartford herdou aproximadamente US$ 90 milhões quando tinha 12 anos. Se corrigirmos o valor pela inflação, significa que ele ganhou mais de US$ 1,3 bilhão (depois da taxação) quando criança. Mas declarou falência em 1992, aproximadamente 70 anos depois de receber uma das maiores fortunas do mundo.

Ele teve o efeito contrário do toque de Midas. Perdeu milhões comprando imóveis, criando um museu de arte, patrocinando peças teatrais e espetáculos. Combinou a falta de aptidão para os negócios com um estilo de vida excepcionalmente luxuoso.

Depois de declarar falência, ele viveu recluso nas Bahamas com uma das filhas até morrer.

Que a sorte esteja ao seu lado

A história de vida de Hartford, associada às pesquisas acadêmicas, mostram que dinheiro que cai do céu nem sempre traz felicidade. Esbanjar é mais fácil do que parece.

Se você jogou na loteria e não ganhou, te desejo mais sorte da próxima vez. Se apostou e ganhou, te desejo ainda mais sorte.

Todavia, uma das lições mais importantes, independentemente de jogar ou não na loteria, é que, ao receber um dinheiro inesperado, você deve pensar no futuro e resistir à tentação tão humana de gastar tudo.

*Jay L. Zagorsky é professor adjunto da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.

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