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Ágatha, 8, é enterrada em meio a aumento de protestos e de comoção

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Aos gritos de “Justiça” e protestos contra o governador Wilson Witzel (PSC), a menina Ágatha Félix, 8, foi enterrada neste domingo (22). Ela foi baleada na sexta (20), no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, quando voltava para casa com a mãe.

O enterro teve clima de revolta e grande comoção e foi acompanhado por familiares e moradores do complexo. “Vamos ver até quando esse governo vai acabar com as famílias, vai acabar com o futuro promissor das nossas crianças”,disse o avô de Ágatha, Ailton Félix, diante do caixão.

Ágatha foi atingida nas costas. Ela estava com a mãe dentro de uma Kombi na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão. Foi levada primeiro a uma unidade de pronto atendimento na região e depois ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas não resistiu ao ferimento.

A Polícia Militar diz que reagiu a ataque de criminosos e houve troca de tiros. Moradores e familiares, porém, questionam a versão. Segundo eles, a polícia disparou na direção de uma moto que não obedeceu ordem emitida pela patrulha para parar.

A morte de Ágatha motivou protestos durante todo o fim de semana. Neste domingo, moradores do complexo caminharam cerca de 2,5 quilômetros até o bairro de Inhaúma, na zona norte do Rio, onde o corpo foi velado.

Carregando balões amarelos, em homenagem a uma foto da menina, eles foram seguidos por um cortejo de mototaxistas da comunidade. Em frente ao grupo, uma faixa pedia: “parem de nos matar”.

Segundo a ONG Rio de Paz, Ágatha foi a quinta criança vítima de bala perdida no Rio este ano. Foi baleada poucas horas depois de Witzel reforçar, em evento com a PM, a política de abate de criminosos– “serão caçados”, afirmou.

“Somos moradores e não temos culpa dessa política de segurança que não funciona na comunidade, que tem tirado mais vidas do que preservado”, discursou durante o protesto o mototaxista Marcos Henrique Nascimento Lopes, 39.

Pai de uma menina de oito anos, mesma idade de Ágatha, ele pediu o fim dos tiroteios. “Ela fica desesperada quando tem operação na comunidade. É muito tiro, parece que tem tiro dentro de casa.”

O velório foi reservado a parentes e amigos. O corpo deixou a capela rumo ao cemitério sob gritos de “Justiça” e “Witzel é assassino”. Os mototaxistas fizeram um buzinaço no início do cortejo.

“Ela está agora no céu, que é o lugar que ela merece”, dizia o avô, que seguiu o carro funerário abraçado a parentes e amigos, desabafando durante quase todo o trajeto. “Todo o mundo está vendo o que aconteceu com a minha neta”, protestou.

Muito abalados, os pais de Ágatha não deram entrevista. Sua mãe, Vanessa, carregava consigo uma boneca da Mônica, personagem da Turma da Mônica, que pertencia à filha.

“Ela me ensinava inglês. Eu com 28 anos e ela com 8 me ensinando inglês”, disse o tio Cristian Sales.

O corpo foi sepultado sob aplausos e orações.

A perícia feita no IML encontrou fragmento de um projétil no corpo da menina, que foi baleada nas costas. O pedaço pode ser usado para tentar identificar se o tiro partiu da polícia.

O corpo de Ágatha passou a noite no IML do Rio, pois a perícia foi atrasada pela falta de funcionário para operar o scanner corporal –equipamento semelhante ao usado em aeroportos, que ajuda a visualizar o interior do corpo.

Embora a Polícia Civil tenha afirmado no sábado (21) à noite que o corpo já estava liberado, a família só conseguiu retirar Ágatha do IML na manhã deste domingo.

Representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, o advogado Rodrigo Mondego reclamou do posicionamento do governo estadual, que afirma que houve tiroteio no momento em que Ágatha foi atingida.

“Existe um corporativismo muito grande que nega o óbvio. As pessoas dizem que ouviram um tiro mas eles negam categoricamente o que as testemunhas viram”, afirmou.

Mondego reclamou da dificuldade para esclarecer casos semelhantes. “O que a gente vê é que, com muita dificuldade, o policial é retirado da rua e transferido para uma função administrativa. Isso é o máximo que acontece.”

FILHA ÚNICA, MENINA ERA ESTUDIOSA E QUERIA SER BAILARINA

A bala que matou Ágatha Felix, 8, interrompeu o futuro de uma criança dedicada aos estudos e sonhava em ser bailarina e dava os primeiros passos como praticante de xadrez. Filha única, era tida pelos mais próximos como reservada, obediente, educada e religiosa.

Ágatha estudava no Centro Educacional Rodrigues Silva, que decretou luto e cancelou as atividades escolares desta segunda (23). Ela cursava o 3º ano do Ensino Fundamental.

Vitor Arantes, de 38 anos, professor de xadrez, conta que a aluna tinha talento para o jogo. Na sexta-feira, ela havia se inscrito no primeiro torneio que seria realizado pela unidade da rede privada.

A moradora do Alemão tinha um bom convívio com professores e alunos da escola e parte deles se juntou a manifestações realizadas durante o fim de semana na comunidade para pedir justiça

“Estamos sem palavras para expressar os nossos sentimentos, lamentamos intensamente essa fatalidade e nesse momento de dor e perda pedimos a Deus que conforte o coração dos familiares e amigos”, declarou a escola onde Ágatha estuava, por meiode nota divulgada em suas redes sociais.

O avô Airton Félix lembrou o quanto a menina gostava de estudar. “A mochila que estava com ela estava pesada. Tinha lápis, caderno, apontador, livros e o simulado que ela fez esta semana”,afirmou

Ele contou que a menina havia pedido uma roupa de presente para o próximo dia das crianças, em outubro.

“Ela estava num bom colégio, tirava boas notas. Era obediente e educada”, afirmou. “Ela lia inglês, traduzia já do inglês para o português. Aqui esse mundo não servia para ela. Deus levou mais um anjo”, desabafou.

Parentes e amigos lembraram no velório o perfil reservado da menina, que evitava andar pelas vias do Complexo do Alemão.

“Sou amiga de infância da mãe dela e via o esforço que a família fazia para educar a Ágatha. Foi um sonho interrompido”, conta Amanda Cavalcante, 29.

Segundo amigos, seu sonho era se tornar bailarina.

“Estamos com medo de sair de casa. Deu um trauma em todo mundo aqui”, diz a amiga Rafaele, 13.

Durante o sepultamento, parentes lembraram também a religiosidade presente na vida da menina, que costumava fazer orações pela manhã e à noite.

Na cerimônia, os parentes recitaram o Salmo 91 da Bíblia –que diz que “aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará”.

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