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Em voto, Toffoli barra Coaf de atuar sob encomenda do MP, o que pode beneficiar Flavio Bolsonaro

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, votou nesta quarta-feira para impedir que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, faça relatórios por encomenda do Ministério Público ou de polícias Federal e Civil dos Estados. Se esta proposta vingar, poderá beneficiar o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

“Enfatizo a absoluta e intransponível impossibilidade da geração de RIFs por encomenda. Isso tem nome, ‘fishing expedition’ (em inglês)”, completou ele, ao destacar que essa prática é proibida. Ele se referiu aos relatórios de inteligência da UIF, em que constam operações financeiras tidas como atípicas e que poderiam ser indícios de crimes.

O voto de Toffoli pode beneficiar Flávio Bolsonaro, que teve, a partir de uma liminar concedida pelo ministro em julho, suspensa contra si uma investigação conduzida pelo MP do Rio de Janeiro que consta um relatório do antigo Coaf com transações financeiras atípicas.

A tese do presidente do STF, se vingar, pode anular essa investigação. Esse caso tem causado preocupação ao presidente, que já se queixou publicamente de perseguição de órgãos de investigação contra sua família.

Toffoli é relator da ação no julgamento que discute quais os limites para compartilhamento de informações de órgãos de controle, como o antigo Coaf e a Receita Federal, no repasse de informações referentes a movimentações financeiras ou fiscais de cidadãos para instruir investigações do Ministério Público e das polícia Federal ou estadual.

O relator foi o único dos 11 ministros a votar no processo, que será retomado nesta quinta-feira. O caso será retomado a partir do voto do ministro Alexandre de Moraes.

O presidente do STF frisou em seu voto que o UIF é um órgão de inteligência e não de investigação criminal. “Ela não tem poder de iniciativa, ela não pode se imiscuir nos bancos para saber a informação da vida financeira das pessoas”, disse. Em seu voto, ele criticou o fato de que, com base em dados, atualmente há mais relatórios produzidos por encomenda de órgãos de investigação do que produzidos por conta própria pelo UIF e o extinto Coaf.

Toffoli chamou de “lenda urbana” quem disse que o julgamento iniciado na quarta se estaria julgando Flávio Bolsonaro. Ele argumentou que havia suspendido a tramitação de todas as apurações que continham dados específicos de controle. Posteriormente, estendeu os efeitos desse entendimento a Flavio.

“Não está em julgamento em nenhum momento o senador Flavio Bolsonaro”, afirmou.

Em um duro voto, o ministro criticou ações do MP de fazer investigações sem passar pelo controle da Justiça. “Investigações de gaveta que servem para assassinar reputações que não tem ilícito nenhum”, acusou. Em vários momentos, ele fez questão de explicar que o país segue recomendações de organismos internacionais de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção, como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi).

RECEITA

Toffoli votou também para proibir que relatórios da Receita Federal em que constam dados de sigilo bancário e fiscal sejam repassados pelo Ministério Público sem o aval da Justiça. Isto é, em seu entendimento, nesse tipo de documento não se pode constar extratos de imposto de renda ou mesmo detalhes de movimentação bancária.

Segundo o ministro, esses relatórios — tecnicamente chamados de representação fiscal para fins penais — só podem constar informações genéricas e globais, como número da representação, dados do CPF e CNPJ e valor total do crédito. Toda essa documentação genérica, disse, pode ser encaminhado ao MP, que tem de abrir uma investigação sobre o caso e informar imediatamente o Poder Judiciário. “Eu não fecho a porta a todas as possibilidades”, ressalvou.

O caso concreto sob julgamento — que servirá de baliza para o STF fixar um entendimento geral — refere-se a um recurso que questiona uma decisão anterior da Justiça que anulou uma ação penal contra donos de postos de combustíveis que questionaram o fato da Receita ter repassado a procuradores, sem autorização judicial, dados bancários.

Toffoli votou para anular essa condenação. Ele questionou o fato de que, nesse caso, haver mais de 600 páginas de dados bancários além de imposto de renda de diversas pessoas sem que elas sejam formalmente investigadas.

COMPROMETIMENTO

Em sustentação oral feita pela manhã, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que os órgãos de controle como o antigo Coaf possam repassar informações de pessoas ao Ministério Público ou à Polícia Federal sem que precise de um aval do Judiciário. Para ele, o sistema de envio dessas informações, se for alterado, poderá comprometer o combate à lavagem de dinheiro, à corrupção e a credibilidade do sistema financeiro.

Aras disse ainda que, no caso do Coaf, são 15 mil comunicações diárias e quase 420 mil comunicações feitas no ano passado. Ele disse que uma mudança nessa sistemática prejudica investigações e atenta contra regras internacionais que o país é signatário, como o Gafi. Ressalvou que os relatórios não são, por si só, meios de prova.

O procurador-geral afirmou que houve, no julgamento desta quarta, um alargamento na decisão tomada pelo relator ao beneficiar o senador Flávio Bolsonaro com uma liminar.

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