Cotidiano

Retirada de trilhos nos anos 80 foi um erro, diz dirigente de entidade do setor

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Embora seja comum até hoje encontrarmos trilhos sem utilização em cidades do interior de São Paulo, foram feitos movimentos fortes dos governos principalmente nas décadas de 1980 e 1990 para a retirada deles.
Foram períodos em que rodovias eram duplicadas e, em situação antagônica, os trens agonizavam e deixavam de transportar primeiro passageiros e, depois, cargas.
Analisemos um pequeno trecho ferroviário, entre Ribeirão Preto e Franca. A retirada dos trilhos entre as duas importantes cidades do interior paulista não prejudicou só o transporte, já que fez também com que parte das estações no caminho perdessem utilidade.
Dos 119,5 quilômetros de trilhos entre a principal estação de Ribeirão e a maior de Franca, ao menos 95,6 quilômetros não existem mais.
Na estação Alto, ainda em Ribeirão, os trilhos deixaram de existir na segunda metade dos anos 1980, mas a estação já não tinha operações ferroviárias desde a década anterior. Das 12 estações entre as cidades, 4 estão abandonadas e 1 foi demolida.
As outras 7 têm usos variados, normalmente ligados à cultura –como museu, centro cultural ou biblioteca. Entre elas estão Brodowski, Visconde de Parnaíba, Batatais e Boa Sorte.
Mas, se os trilhos ainda existissem, a retomada do transporte de passageiros no interior poderia ocorrer com mais facilidade, segundo Joubert Fortes Flores Filho, presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).
“Foi uma decisão equivocada a retirada dos trilhos e de trens [nos anos 80]. Moro no Rio, mas nasci em Minas. Quando era menino e ia sempre para Minas com meus pais, pegava trem na estação Leopoldina, prédio histórico lindo e completamente abandonado aqui. Íamos de noite. Tinha cabine dormitório, adorava, e chegava de manhã em Minas. Hoje faz o trajeto em cinco horas. Isso foi fruto da implantação da indústria automobilística, criou o rodoviarismo”, afirmou.
O trecho rodoviário entre Ribeirão e Franca tem 89 quilômetros, mais curto que os 119,5 quilômetros da época das ferrovias. O motivo é simples: como a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro –que administrava a linha férrea que passava pelas cidades– tinha como interesse básico atender aos cafeicultores, seus principais clientes, o traçado da ferrovia era muito sinuoso, de forma a passar nas lavouras para o embarque da produção, rumo ao porto de Santos.
Muitos trechos foram retificados ao longo das décadas para corrigir essa sinuosidade. Mas há curvas inadequadas, rampas acentuadas, baixas velocidades e composições que cortam a zona urbana de importantes cidades paulistas até hoje.
“Achou-se que podia fazer tudo pela rodovia. EUA, França e Japão têm ótimas rodovias, mas também ótimos sistemas ferroviários. Usam ferrovia e rodovia capilarmente. Aqui, erradicaram os trens. Muitas cidades do Sudeste dependiam do trem. Hoje somos os maiores produtores de soja do mundo, mas quanto custa? Faz a viagem de caminhão, dá vontade rir, para não chorar. Por que fizemos isso?”, questionou o presidente da associação.
De acordo com ele, pode ser mais barato implantar BRTs (ônibus que rodam em vias segregadas e contam com características como ultrapassagem nas estações, embarque em nível e pré-pagamento da tarifa) que metrôs ou VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), mas esse sistema não permite o transporte em massa de passageiros.
“É mais barato colocar BRT num corredor em vez de metrô ou VLT? Às vezes até é, mas é igual à história da soja. Quantas pessoas precisa carregar por hora? Quarenta mil, 50 mil, como o corredor da linha 2 do Rio. Não adianta botar ônibus, metrô transporta num carro 300 pessoas. Um de seis carros dá quase 2.000 pessoas, enquanto num ônibus são 70 pessoas, 40 em pé e 30 sentadas. É incomparável”, disse.

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