SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A escalada dos confrontos sectários em meio às manifestações pró-democracia no Líbano nos últimos dias gera preocupação sobre um possível retorno às divisões que marcaram o país nos anos de guerra civil, há cerca de meio século.
Na noite de domingo (24), integrantes dos movimentos xiitas Hizbullah e Amal atacaram os participantes de um ato no centro Beirute, e os manifestantes revidaram atirando pedras. Nos dias seguintes, os confrontos se espalharam para outras áreas da capital libanesa, deixando dezenas de pessoas feridas.
O Conselho de Segurança das ONU (Organização das Nações Unidas) pediu na segunda-feira (25) que as forças políticas do Líbano estabeleçam um diálogo nacional intensivo e mantenham o caráter pacífico dos protestos.
Entenda a escalada da violência nos protestos no Líbano:
1. Manifestações expressam revolta generalizada contra o governo
Os libaneses sofrem há anos com a corrupção dos governantes e com uma economia em frangalhos. A atual onda de protestos explodiu em outubro após o governo anunciar novas tarifas sobre ligações telefônicas feitas pelo WhatsApp e outros aplicativos, equivalentes a R$ 0,83 por dia.
Após derrubar as tarifas, o governo apresentou um plano de modernização econômica e de combate à corrupção, e o primeiro-ministro Saad Hariri renunciou, sem, contudo, conseguir acalmar as ruas do país.
As manifestações não têm líderes claros e expressam uma revolta generalizada contra as instituições de poder. Os protestos provocaram a paralisação do Parlamento, que parece incapaz de atender às demandas da população.
A situação está se encaminhando para uma fase perigosa porque, após quarenta dias de protestos, as pessoas estão começando a se sentir cansadas e frustradas, podendo recorrer a ações fora de controle, disse Fadia Kiwan, professora da Universidade Saint Joseph em Beirute, à agência de notícias Associated Press.
2. Democracia libanesa se sustenta sobre frágil equilíbrio de poder
O sistema político do Líbano, principal alvo da raiva dos manifestantes, se sustenta sobre um frágil equilíbrio de forças que reflete as divisões sectárias da população: no país há cristãos maronitas, muçulmanos sunitas e xiitas, bem como minorias de drusos, armênios e refugiados palestinos.
As tensões entre os diferentes grupos atingiram seu ápice durante a Guerra Civil Libanesa (1975 1990); mais de 120 mil pessoas morreram no período. Após o término do conflito, foi estabelecido um arranjo de poder que perdura até hoje, pelo qual metade das cadeiras do Parlamento devem ser ocupadas por cristãos, e a outra metade por muçulmanos. Além disso, o presidente do país deve ser cristão, enquanto o primeiro-ministro deve ser sunita e o líder do Parlamento, xiita.
Até os últimos episódios de violência, os protestos eram majoritariamente pacíficos e desafiavam a lógica sectária que rege a política libanesa.
As mobilizações dos últimos dias mostraram o início da emergência de uma nova aliança de classe entre os subempregados, desempregados, trabalhadores e classes médias contra as oligarquias dominantes. Isto é uma ruptura, escreveu Rima Majed, professora da Universidade Americana de Beirute, para o site Open Democracy.
3. Aliado do Irã, Hizbullah teme ser o próximo alvo da ira popular
A milícia xiita Hizbullah, apontada como um dos grupos responsáveis pelos últimos ataques contra os manifestantes, teme ser o próximo alvo da ira popular. O grupo vê nos planos de reformar o sistema político do país uma ameaça à sua posição de poder; o líder do Hizbullah, Hasan Nasrallah, acusa os manifestantes de atenderem a interesses externos.
Fundado em 1985, em meio à guerra civil, o Hizbullah é uma das principais forças políticas do Líbano e conta com um poderoso braço armado, que opera com independência em relação ao Exército.
Além disso, o Hizbullah é financiado pelo Irã. O regime iraniano vem enfrentando uma onda de protestos em seu próprio país há duas semanas a repressão das forças de segurança já deixou mais de 143 mortos.
O Hizbullah é visto cada vez mais como parte dos obstáculos para a mudança no Líbano
Para os xiitas libaneses que participam dos protestos, foi um choque por que o Hizbullah fica de guarda para um statu quo que é extremamente corrupto e está levando o país em direção à crise econômica e financeira?, disse Mohanad Hage Ali, diretor do centro de estudos Carnegie Middle East Center, à revista Foreign Policy.