Esporte

Busca por patrocínio desafia até mesmo atletas de elite do país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A nadadora Etiene Medeiros, 28, havia acabado de sair da piscina após conquistar uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em agosto de 2019, e conversava com jornalistas sobre o resultado.
Questionada a respeito da importância da performance para ter mais visibilidade no caminho até a Olimpíada de Tóquio-2020, ela desabafou.
“Gente, estou em busca de um patrocínio individual há muito tempo”, afirmou. “Faço isso por amor, levantando a bandeira da natação e do esporte feminino, mas sabemos que a educação do esporte no Brasil precisa melhorar muito.”
A pernambucana, primeira nadadora do país campeã e recordista mundial em provas individuais, acumula outros feitos de pioneirismo na carreira. Ainda assim, vivencia uma dificuldade comum a tantos atletas de ponta do país: encontrar apoio de uma marca que ajude a pagar os altos custos de sua preparação.
Não que Etiene esteja totalmente desprovida de apoios. Ela treina no clube Sesi-SP, integra o programa de alto rendimento da Marinha e também recebe o Bolsa Pódio, categoria do programa do governo federal Bolsa Atleta voltada à elite esportiva, no valor de R$ 8.000 mensais.
Ainda assim, com a fuga dos patrocínios das principais confederações olímpicas após os Jogos Olímpicos do Rio-2016, cada vez mais o apoio direto das marcas é elemento fundamental para a vida financeira dos atletas.
A nadadora acredita que, no caso do seu esporte, que no Brasil vive picos de visibilidade durante os Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, a tarefa é ainda mais árdua.
Campeã mundial de esgrima em julho deste ano, Nathalie Moellhausen, 34, chegou ao feito inédito para uma esgrimista do país mesmo precisando se dividir entre a vida esportiva e outras atividades profissionais.
Dona de uma empresa de produção de eventos, a cidadã ítalo-brasileira havia passado todo o ano anterior à conquista exercendo a função de diretora de arte em um grande evento promovido pela Federação Internacional de Esgrima.
“O fato de não ter patrocínio fez com que eu sempre tivesse que trabalhar para poder pagar os meus treinadores e a minha vida. Por causa do trabalho, tive que frear os treinos. Me preparei melhor para o Mundial durante apenas sete meses. Tive energia para conciliar, mas a falta de apoio pode distrair o atleta do seu objetivo”, afirma.
Medalhista mundial também pela Itália, ela costuma treinar na França, mas tenta estar mais próxima do Brasil (nação que defende em competições desde 2014) atualmente, tanto na preparação para os Jogos de Tóquio como para ajudar a desenvolver a esgrima no país.
“A falta de popularidade do esporte não favorece o interesse de um patrocínio, mas acredito que isso possa mudar, sobretudo após o meu resultado e os projetos que tenho. Falta conhecimento para entender como identificar os valores da marca com esse esporte. Passar essa mensagem faz parte da minha missão de campeã mundial”, diz a atleta.
Ao olhar para a realidade dos companheiros de equipe no clube francês Dunkerque, o jogador de handebol Haniel Langaro, 24, percebe a clara diferença no desenvolvimento da modalidade no país europeu e no Brasil, onde ele é um dos destaques da seleção.
“Handebol na Europa é levado muito a sério, totalmente profissional e com muito incentivo. É raro encontrar algum jogador aqui que não tenha patrocínio individual”, afirma Langaro, que busca outros apoios além daquele que lhe garante fornecimento de material esportivo.
“Hoje, infelizmente, o handebol no Brasil é amador. Temos apenas duas equipes profissionais, e isso dificulta muito a busca por patrocínios.”
A alta demanda de entidades e esportistas brasileiros nessa situação criou um mercado propício para iniciativas como a do Clube do Patrocínio. A empresa se propõe a conectar atletas e empresas que trabalham com projetos que garantem incentivos fiscais.
“A ferramenta funciona com um cadastro simples, em que os dados obtidos são processados por meio de inteligência artificial. Nosso algoritmo cruza os dados de cadastro das empresas com as informações de nosso banco de projetos e direciona os que mais se identificam com as diretrizes de patrocínio de cada empresa, de forma 100% automática”, diz o Clube do Patrocínio em seu site.
Outra plataforma do setor, a AtletasNow também tem como proposta conectar essas pontas, além de criar um ambiente nos moldes de uma rede social para estimular o relacionamento entre profissionais de diversas áreas do esporte, clubes e confederações.
Atualmente, há cerca de 16 mil usuários cadastrados, representando 84 modalidades (futebol, basquete e corrida de rua lideram a lista) e 23 profissões do setor.
“Algumas empresas estão começando a perceber que é mais fácil ter atletas que se comunicam bem em seu nicho do que fazer um investimento bem maior numa entidade e não ter o retorno que esperavam”, diz José Pedro Mello, CEO da AtletasNow.
Para ele, ainda é comum que falte aos candidatos a um patrocínio mais preparo na hora de divulgar sua imagem perante o mercado.
“Às vezes, eles chegam um pouco despreparados, ou com vícios de outras redes sociais. É preciso que saibam também o que eles vão agregar para a empresa”, afirma Mello.
A opinião do empresário se assemelha à do jogador de vôlei de praia Alison Cerutti, 34. Com seis contratos individuais vigentes há vários anos, ele conta que aprendeu a se posicionar como uma marca ao longo da sua trajetória.
Alison diz ter se inspirado em jogadores da geração anterior à sua no esporte –Ricardo e Emanuel, por exemplo– e em histórias que viu em documentários sobre astros como Michael Jordan e Ayrton Senna.
“Algumas pessoas ainda pensam que, por você ter uma medalha, a empresa é obrigada a patrociná-lo, mas não funciona assim”, afirma o campeão olímpico.
Ele relata que todas as decisões pertinentes à sua carreira são comunicadas com antecedência aos patrocinadores.
“O que eu posso indicar é ter uma relação próxima com a empresa, de confiança. Hoje em dia existem atletas com quem você não consegue nem conversar ou tirar uma foto, porque são intocáveis. Nós somos seres humanos, cara!”, conclui.

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