Exterior

Irã pode se recusar a entregar caixas-pretas, mas não excluir EUA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A investigação sobre as causas da queda de um Boeing 737 em Teerã deve complicar ainda mais a crise diplomática envolvendo o regime iraniano e os EUA, visto que Washington tem o direito de participar da apuração por ser o avião de origem americana.
Ao menos é isso o que estipula a Icao (Organização da Aviação Civil Internacional), agência da ONU que rege as práticas e padrões de segurança da aviação global.
No caso do acidente desta quarta (8), têm direito a participar da apuração das causas os EUA (onde o avião foi desenhado e produzido) e a Ucrânia (país de registro da aeronave e sede do operador, a Ukraine International Airlines).
As normas para investigação de acidentes aéreos constam do Anexo 13 do documento que originou a Icao, a Convenção de Chicago, de 1944.
Como Estado de Ocorrência, isto é, o local onde aconteceu o acidente, o Irã tem o direito de coordenar a investigação, inclusive decidindo o destino das caixas-pretas da aeronave. Caso o Irã avalie não ter tecnologia necessária para a leitura dos dados, pode pedir auxílio a outro país.
Foi o que fizeram autoridades da Etiópia em 2019, ao enviar para a França as caixas-pretas do Boeing 737 Max da Ethiopian Airlines que caiu em março, matando 157.
Por isso, não deve causar surpresa a declaração do diretor da autoridade de aviação iraniana, Ali Abedzadeh, que afirmou nesta quarta que o Irã não vai entregar as caixas-pretas à Boeing ou aos EUA.
As normas internacionais não o obrigam a isso -mas preveem o acesso à investigação de partes interessadas.
“Em geral há cooperação entre os países quando se trata de investigação de acidente aeronáutico, até porque o objetivo não é apontar culpados, mas prevenir novos casos”, diz o advogado Ricardo Fenelon, especialista em aviação.
“Apesar de não ser comum, está previsto na Convenção de Chicago que um país pode sofrer penalidades caso descumpra as recomendações da Icao, que também tem a competência de decidir conflitos entre Estados no âmbito da aviação civil internacional.”
A participação dos EUA na investigação da queda do Boeing em Teerã, no entanto, pode esbarrar em um obstáculo criado pelos próprios americanos: as sanções econômicas contra o Irã que Donald Trump reinstituiu em 2018, após a saída dos EUA do acordo nuclear firmado em 2015.
Empresas americanas, entre elas a Boeing, são proibidas de fazer negócios com o Irã, e isso incluiria a participação de um representante do país na apuração das causas do acidente aéreo.
Em relação ao direito iraniano de liderar a investigação, há jurisprudência para um país onde ocorreu um acidente ceder a outro esse direito.
Foi o que ocorreu em 2014, com a apuração da queda do voo MH17, da Malaysia Airlines, derrubado por um míssil enquanto sobrevoava a Ucrânia, em meio à guerra civil que opunha ucranianos e separatistas pró-Rússia.
A pressão da comunidade internacional à época, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, levou o governo ucraniano a ceder à Holanda a liderança na investigação do acidente que matou 298 pessoas, a maioria holandeses.
Com mais de 5.100 unidades entregues, o Boeing 737-800 é hoje o modelo de avião mais usado no mundo, superando o rival direto, o Airbus A320ceo. Na batalha das novas gerações, no entanto, a Airbus leva a melhor, com 825 entregas do A320neo frente a 387 do 737 Max, que está impedido de voar desde março de 2019 após dois acidentes e teve sua produção suspensa.
A crise do Max foi responsável pelo pior ano da história da Boeing, que viu a rival francesa superar pela primeira vez o número de encomendas considerando todas as variantes da família A320: 15.193 ante 15.136 de todas as gerações do 737.

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