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Trilha Caminhos do Mar será aberta para aventureiros solo

SÃO BERNARDO DO CAMPO, SP (FOLHAPRESS) – A orquestra de cigarras, grilos, sapos e passarinhos divide o palco com um ruidoso bando de macacos-pregos que agitam sem dó as folhas das árvores. Enquanto isso, a brisa suave balança de leve as flores de ipês e manacás.
Quem se dispõe a enfrentar os 9 km da trilha Caminhos do Mar vai se distraindo com a natureza –tudo em marcha lenta, para curtir cada detalhe, longe da pressa de Roberto Carlos, que, nos anos 1960, se gabava de desafiar as curvas da estrada de Santos em alta velocidade.
Desde o surgimento no período colonial até sua desativação para veículos, em 1985, a rota, também conhecida como Estrada Velha de Santos, teve papel importante na formação da capital paulista. Era ela, antes da inauguração da rodovia Anchieta, em 1947, o trajeto obrigatório para quem se dirigia à Baixada Santista.
Agora, o que se vê por ali são transeuntes ávidos pela contemplação da vista do alto da serra, sobretudo pelo encontro com o cenário natural. Segundo informa a Fundação SOS Mata Atlântica, hoje restam apenas 12,4% da floresta de mata atlântica original, considerada um dos mais importantes biomas brasileiros.
Não à toa, a lista dos 52 lugares para conhecer em 2020 do jornal The New York Times traz referência –na única menção feita ao Brasil– a esse bioma, descrito como “um dos ecossistemas mais ricos do planeta”, ao lado de indicações tão díspares como Mongólia, Groenlândia e parques nacionais da China.
“Esse trajeto de mata atlântica põe nas mãos do visitante uma paleta de cores. Como um artista, ele a pinta como quiser”, descreve Nilton de Oliveira Peres, 55, gestor da Estrada Caminhos do Mar, acostumado a fazer trilhas por ali desde garotinho. “Há épocas de floradas do manacá-da-serra em que é possível encontrar três cores diferentes nas flores de uma mesma árvore.”
Neste verão, a partir de 2 de fevereiro, começa uma nova fase: as visitas poderão ser autoguiadas. O apoio de monitores ambientais estará disponível nos oito monumentos construídos em 1922, na comemoração do centenário da Independência do Brasil.
Assim, o turista poderá dedicar a cada espaço o tempo que lhe der na telha. “Passeio em grupo não é comigo. Gosto de descobrir do meu jeito, de contemplar os detalhes da natureza no meu ritmo”, conta a enfermeira Jussara Lins, 47, que aguarda a nova medida entrar em prática para conhecer os Caminhos do Mar.
Um dos atrativos mais procurados é a Calçada do Lorena, trilha de pedras por onde dom Pedro 1º passou para proclamar a Independência, em 1822. Construída em 1792, a calçada foi o primeiro caminho pavimentado com pedras na serra, ligando São Paulo a Cubatão. Naquela época, cada tropeiro costumava levar oito mulas carregadas de vinho, café, açúcar, ferragens.
Nestes dias chuvosos, uma boa notícia: a calçada está ganhando o reforço de 9.000 mudas de espécies nativas da mata atlântica em suas laterais.
Quase camuflada na floresta, pé-direito alto, lareiras e janelões, a Casa de Visitas do Alto da Serra, datada de 1926, servia de hospedaria para quem vinha conhecer a a Usina Hidroelétrica Henry Borden, que, localizada no sopé da serra, em Cubatão, pertence à EMA (Empresa Metropolitana de Águas e Energia).
O imponente casarão está repleto de infiltrações e carece, assim como os demais monumentos da estrada, de restauro imediato.
O projeto de recuperação dos edifícios deve consumir R$ 4,6 milhões, segundo cálculo da Fundação Florestal, estatal que cuida das florestas do estado de São Paulo. Está previsto para o semestre que vem o início das obras.
Para realçar o azul e o branco dos painéis de azulejos que colorem, por exemplo, a entrada do Padrão do Lorena, talvez bastasse uma boa limpeza. Assim se valorizariam os desenhos que ajudam a perpetuar a história dessa estrada de curvas acentuadas.
Uma das obras mais impactantes, tanto do ponto de vista arquitetônico quanto do geográfico, o Pouso de Paranapiacaba era usado como parada de viajantes. Hoje, consequência da má conservação, a parte inferior do imóvel está interditada. Cobertos de musgo, os degraus estão escorregadios.
É de lá que se tem uma das vistas mais impressionantes do alto das escarpas, com um cânion abaixo, ofuscado pela imensidão da mata atlântica.
Concluída a missão de encarar os 9 km de extensão (só ida) daquela que foi a primeira estrada pavimentada em concreto do país, o caminhante chega a Cubatão imbuído primeiramente de satisfação. Não há filtro de Instagram que reproduza com fidelidade a imagem de rios serpenteando e manguezais em fuga para o mar.
Em dias ensolarados, é possível avistar, quando a neblina permite, São Vicente, Praia Grande e até um tico de Santos, lá do alto da Curva do Mirante, apelidada de Curva do Uau. Por um instante, parece que diminutas são as cidades, não as florestas.
Em seguida, a decepção de dar de cara com uma refinaria de petróleo, vizinha de ocupações e estradas abarrotadas de barulhentos automóveis.

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