Últimas Notícias

Com desmonte e fake news, governo Trump prejudicou 1ª reação ao coronavírus

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Há semanas crescem as críticas, nos Estados Unidos, a como o presidente Donald Trump tem lidado com o coronavírus. Por semanas, ele discordou da gravidade da situação. Seu anúncio na quarta-feira (11), restringindo a entrada de viajantes vindos da Europa, foi tido como uma guinada brusca para corrigir a rota.
Com a medida, no entanto, o presidente americano pode ter criado uma crise diplomática com seus aliados no bloco europeu -reforçando, com isso, a impressão de que seu governo tem agravado a situação em vez de controlá-la.
Reagindo ao anúncio de Trump, a Comissão Europeia divulgou uma nota criticando as medidas unilaterais. “O coronavírus é uma crise global, não limitada a um continente, e requer cooperação”, segundo o comunicado do braço executivo europeu. Proibir a entrada de viajantes chegando da Europa foi tido como mais uma medida isolacionista de Trump.
Anti-globalista, o presidente americano insiste em que é preciso construir muros, reais e metafóricos, mas o coronavírus já afeta mais de mil pessoas dentro do país. A capital, Washington, está desde a quarta-feira em estado de emergência.
A gravidade da situação no território americano é em parte, segundo especialistas, o resultado de políticas desastrosas de saúde pública. A administração de Trump é acusada de ter desmontado os aparatos de emergência, desacreditado os cientistas que trabalhavam para o governo e motivado, assim, uma fuga de cérebros -uma situação que torna mais difícil, hoje, a contenção da crise.
O governo também é criticado por ter feito pouco caso quando soaram os primeiros alarmes. A mesma acusação é feita ao brasileiro Jair Bolsonaro, que se referiu ao vírus como “fantasia” na terça-feira (10), apenas um dia antes de a Organização Mundial da Saúde oficializar a pandemia.
Trump chegou a sugerir que seus rivais estavam exagerando a gravidade da crise para impedir sua reeleição em novembro. Se a epidemia se agravar nos próximos meses e os mercados continuarem a convulsionar, as chances de ele permanecer na Casa Branca podem de fato minguar.
“A performance do governo Trump foi decepcionante e tornou a situação pior do que poderia ter sido”, diz Steven Aftergood, membro da Federação de Cientistas Americanos. A impressão, segundo Aftergood, é de que as autoridades americanas foram surpreendidas pelo coronavírus e não estavam adequadamente equipadas para a crise.
Mas não havia razão para surpresa alguma.
Há anos cientistas alertam para a possibilidade de uma epidemia de tamanhas dimensões. Tanto que em 2014, depois da crise do ebola, o então presidente americano Barack Obama criou um time de segurança nacional na Casa Branca para lidar com o risco de epidemias.
Essa equipe, no entanto, foi eliminada em 2018 pela administração Trump. “O nível de preparo que existia no país há alguns anos foi reduzido”, diz. Com isso, a possibilidade de conter o vírus em seus primeiros estágios foi perdida. “Isso significa que mais pessoas foram afetadas.”
“Agiram como se o coronavírus fosse um oponente político que pode ser atacado, constrangido e silenciado”, diz. “Mas o vírus não está preocupado com Twitter ou com entrevistas coletivas.”
Enquanto Trump discordava da gravidade da crise, seu governo demorou semanas até começar a testar os casos suspeitos de maneira ampla. Com isso, diminuíram as chances de conter a epidemia. Ainda hoje há dificuldades para testar os pacientes no país, com poucos testes disponíveis e protocolos lentos.
Trump também é criticado por ter nomeado seu vice-presidente, Mike Pence, para liderar a resposta ao coronavírus. Pence é acusado por ter agravado uma crise de HIV no estado de Indiana, em que foi governador. Especialistas em saúde pública dizem que ele adiou as medidas necessárias para conter o número de casos, além de ter dificultado os testes para detectar o vírus.
Outra crítica feita ao governo Trump é que, com o pouco prestígio dado à ciência, tem havido uma fuga de cérebros em sua administração. A estimativa é de que ao menos 1.600 cientistas deixaram as agências públicas durante os dois primeiros anos do governo Trump. A EPA (Agência de Proteção Ambiental) -responsável recentemente pela lista de desinfectantes eficazes contra o coronavírus- perdeu um terço da equipe desde o início da gestão de Trump.
Em 10 de fevereiro, quando os alarmes de uma epidemia já soavam ao redor do mundo, o governo americano propôs um corte de 16% no orçamento do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). A medida não deve ser colocada em prática, devido à resistência do Congresso, mas indica a perspectiva deste governo. “É ultrajante”, diz Jeffrey Levi, professor da Universidade George Washington e especialista em saúde pública. “Colocaria o país em risco.”
Outro risco, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é o da desinformação. Em especial, aquela propagada justamente pelo presidente Trump. Ele já disse, por exemplo, que o número de casos estava caindo -mas estava subindo. Ele também afirmou que a taxa de mortalidade era de menos de 1% -enquanto cientistas estimavam uma porcentagem de 3,4%. O presidente americano justificou seus palpites dizendo ter um “instinto natural” para a ciência.
Trump prometeu, ademais, uma vacina para bastante em breve. O problema é que vacinas demoram entre 12 e 18 meses, porque envolvem baterias de testes antes de serem de fato aplicadas.
Com tantas mensagens dizendo que os riscos eram baixos, Trump pode ter contribuído para que pessoas continuassem a se expor ao vírus. É o oposto do que têm sugerido cientistas ao redor do mundo.
Nesse contexto, o coronavírus começa a pairar sobre as eleições, com a possibilidade de que Trump pague nas urnas o preço de suas decisões.
A epidemia, no entanto, deve afetar também o Partido Democrata. Joe Biden e Bernie Sanders, que disputam a nomeação do partido, cancelaram nesta semana seus comícios, e não está claro o que acontecerá nos próximos meses.
Ainda que o governo tenha errado, não há razões para o pânico, diz Wendy Wagner. Ela é professora na Universidade do Texas em Austin e especialista em ciência e política pública. Wagner afirma que há “cientistas incríveis” trabalhando para o governo, em uma “infraestrutura excelente”. Ainda é possível, portanto, reverter o cenário, se de fato houver vontade política.
Ademais, quanto àqueles que duvidam da ciência e acreditam que o coronavírus é uma conspiração para não eleger um candidato ou o outro, Wagner diz que pandemias têm um poder “disciplinador”. “É possível demonstrar ao público que pessoas estão morrendo, que o vírus está se espalhando. Isso vai mudar a conversa política, porque a verdade está aparecendo”, ela afirma.
“Fake news”, nesse caso, têm a perna curtíssima -e podem tropeçar. “As pessoas não poderão continuar a mentir”, diz.

To Top