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Crise da saúde do RJ deve dificultar combate ao coronavírus

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A crise da saúde que adoece o Rio de Janeiro há cerca de cinco anos deve dificultar o combate ao coronavírus. O tratamento dos infectados, por sua vez, deve pressionar uma rede que já tem dificuldade de absorver a demanda da população.
A avaliação é de médicos que acompanham há tempos os problemas da rede pública. Eles afirmam que, apesar de o estado ter um bom plano, na prática é provável que faltem leitos, profissionais e insumos com o avanço da nova doença -até agora são 16 casos confirmados.
O próprio secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitem ver problemas na estrutura fluminense.
“A gente sabe as fragilidades do Rio […]. O Rio tem que construir uma grande capilaridade de acesso à atenção primária e média”, disse o ministro em visita à capital nesta quinta (12), ao lado do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos).
Já o secretário afirmou que o estado tem mais leitos de terapia intensiva que a Itália, porém ocupados: “Nossa rede será muito sacrificada, o que a gente tem de estrutura hoje não nos dará uma situação confortável”, declarou em entrevista ao site G1.
Apesar de aprovar o plano de contingência estadual, o médico Flavio de Sá, diretor do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do RJ), afirma que tanto a rede pública como a rede privada não comportarão uma possível enxurrada de novos casos.
“Hoje não tem infraestrutura estabelecida no Rio para um aumento de demanda na escala italiana. O governo não se preparou, e montar isso num curto espaço de tempo vai exigir um trabalho hercúleo das autoridades para recompor as estruturas sucateadas”, diz.
A crise na saúde do Rio de Janeiro atinge as três esferas. Na esfera municipal, a carência de profissionais e de insumos é a principal crítica. No âmbito estadual, a situação já está mais controlada, mas ainda há superlotação. Já na rede federal, a União chegou a enviar militares no ano passado para dar um “choque de gestão”.
O déficit de leitos é outro problema histórico nas três redes que pode afetar diretamente o tratamento de pacientes com coronavírus. Segundo a Defensoria Pública da União, o RJ foi o estado que mais perdeu leitos em todo o país nos últimos seis anos, de 27 mil para 21 mil (queda de 22%).
Com o segundo maior número de casos do país, o Rio passou nesta quinta para o “nível 1” de alerta da doença, que prevê medidas no caso de transmissão local. Um casal de idosos que não viajou nem teve contato com doentes que viajaram para o exterior teve resultado positivo para o vírus.
Nesse estágio, o plano de contenção estadual prevê a criação de 206 leitos exclusivos para o tratamento de casos graves. Segundo o secretário, que trabalha com um horizonte de 4.000 a 10.000 casos no RJ no total, serão inauguradas 300 vagas nos próximos dois meses.
Ainda é difícil precisar qual será a quantidade de leitos necessários. Pesquisadores da área de estatística da UFRJ (Universidade Federal do RJ), por exemplo, já estão fazendo cálculos com base na disseminação em outros países, mas até agora não chegaram a uma estimativa.
Isso porque o comportamento do vírus no território brasileiro continua incerto. “Existem muitas incógnitas quanto ao ritmo da disseminação da doença, com nossas características geográficas e de temperatura”, afirma Flavio de Sá, diretor do Cremerj.
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 80% dos infectados pelo coronavírus não têm complicações e, dentro dos 20% que apresentam dificuldades respiratórias, 3% precisam de leitos de tratamento intensivo.
A ideia é que essas pessoas entrem no sistema de saúde preferencialmente pela rede básica, como clínicas da família e UBSs municipais de seus bairros, para não sobrecarregar os hospitais. O problema é que esse setor é um dos principais gargalos do Rio de Janeiro.
“A crise na atenção primária vai afetar muito no tratamento do coronavírus, porque é ali que 80% dos casos serão atendidos e resolvidos e que a necessidade de internação será identificada. É a porta de entrada dos pacientes”, opina Roberto Medronho, professor de epidemiologia da UFRJ que tem sido consultado pelo poder público.
A saúde básica, essencial para prevenção e controle de doenças crônicas, vive uma reestruturação feita por Crivella. Esse sistema é em grande parte gerido por OSs (organizações sociais), empresas que recebem dinheiro municipal e em troca cumprem metas.
Desde 2017, o prefeito extinguiu equipes de saúde da família argumentando que seu antecessor, Eduardo Paes (DEM), havia expandido a rede de forma desordenada. Funcionários, porém, sustentam que tem ocorrido uma desestruturação no setor.
Na última segunda (9), a Defensoria Pública e o Ministério Público fluminenses também solicitaram à Justiça que a prefeitura preenchesse um déficit de mais de 2.500 profissionais de saúde após a transferência da gestão de 80 unidades para outra OS.
Para estruturar a saúde diante da nova crise, tanto o estado como o município do Rio esperam uma ajuda do governo federal, que anunciou R$ 5,1 bilhões para conter o coronavírus no país. Cada estado deve receber uma verba, ainda não liberada, de acordo com sua população.
Nesta quinta, a DPU no Rio questionou a União sobre o aporte desses recursos e a quantidade de profissionais e leitos na rede federal. “O panorama de disseminação da pandemia no RJ poderia levar ao fechamento dos seis hospitais federais do estado, bem como o colapso total da rede estadual e municipal de saúde”, disse o órgão em nota.

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