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Alta gastronomia de São Paulo recorre a delivery para sobreviver

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem abre a embalagem de entrega do restaurante Charco, nos Jardins, lê as instruções: o molho rôti acompanha o porco e é servido com as folhas de mostarda. Tudo vem devidamente separado, para proteger as características dos alimentos e manter o padrão da casa –que, além de take out, nesta quarta (25) opera também com o serviço do aplicativo Rappi.
O Charco, voltado à cozinha sulista brasileira, é um dos restaurantes da elite gastronômica paulistana que adotaram as entregas depois que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), decretou o fechamento de todos os serviços não essenciais devido à expansão do coronavírus. O Grupo Fasano também anunciou que vai fazer delivery a partir desta quarta em um raio de até 5 km do Hotel Fasano São Paulo.
Com crise se delineando no setor, o cardápio de entrega do Charco teve redução de preços que vai de 15% a 20% se comparado ao menu do restaurante físico. A ideia é descontar parte do custo de operação do restaurante e também incentivar o cliente a consumir.
“Tive queda de 90% de faturamento desde que o Charco parou de funcionar, há uma semana. As pequenas empresas não têm caixa para aguentar crise de três ou quatro meses. Nosso foco agora é ter uma operação para ao menos manter a equipe recebendo”, afirma o chef Tuca Mezzomo.
No Aizomê, eleito melhor restaurante japonês da cidade pelo especial “O Melhor de sãopaulo” de 2019, a chef Telma Shiraishi elencou bentôs, espécie de marmita nipônica, no cardápio de entrega.
A intenção da chef é que as receitas do delivery tenham a harmonia e delicadeza de sabores vistas no restaurante físico, que fica no Jardim Paulista. A chef estima uma redução de ao menos 20% no valor da refeição –comparado com um pedido similar no restaurante, utilizando os mesmos ingredientes e temperos.
“É desesperador. Não estamos fazendo delivery porque é um negócio lucrativo. Claro que o produto tem que ser bacana, mas o foco é manter a operação de forma segura e responsável para ao menos manter o quadro de funcionários. Não queremos demitir ninguém”, diz Shiraishi.
Funcionários com férias vencidas ou que estão no grupo de risco foram afastados, e uma parte da equipe está ajudando a fazer entregas na região do restaurante, “ao invés de uma bandeja, estão usando carro ou bicicleta”, diz a chef.
Procedimentos de segurança, como levar álcool em gel durante as entregas e higienizar a máquina do cartão de crédito, foram tomados.
“Penso 24 horas por dia em ter que fazer demissões. Estou fazendo o que está ao meu alcance para que isso não aconteça. Mas não sobrevivo meses pagando os custos do restaurante e sem ter receita. Mesmo o delivery não cobre minha operação”, diz Morena Leite, à frente do Capim Santo, marca que tem quatro operações na cidade.
Por ora, a unidade que fica nos arredores da av. Paulista está fazendo o delivery. O cardápio tem, no almoço, pratos de referência caseira (aos valores de R$ 49 e R$ 55) –o bufê tradicional de almoço da casa custava entre R$ 63 e R$ 69. Já no delivery do jantar, o Capim Santo prepara receitas de assinatura da casa.
A chef Carla Pernambuco, do restaurante Carlota, em Higienópolis, nunca tinha pensado em fazer delivery antes da crise provocada pelo coronavírus. “A gente está aprendendo a logística, apanhando um pouco. Não queremos deixar de lado a assinatura do restaurante nem as comidas que são emblemáticas na hora de adaptar do delivery”, diz a cozinheira.
Além de colocar em prática a operação, a chef procura forma de manter as contas do negócio saudáveis –após fechar as portas, uma das providências tomadas foi dispensar funcionários em período de experiência.
“Estou cogitando todas as possibilidades porque eu vejo um cenário muito difícil quando tudo voltar a funcionar. Quando isso acontecer, não acho que as coisas serão como antes, com todo mundo com medo e com menos dinheiro no bolso”, diz.
Como outros empresários, a chef aguarda quais serão medidas do governo para ajudar o setor que emprega em torno de 6 milhões de trabalhadores, segundo estimativas de associações. “Faz parte da nossa sobrevivência como empresa manter pessoas que estão no nosso quadro. Estamos lutando para ter condição de fazer isso.”
Para ajudar a elencar as demandas e dificuldades de restaurantes, a chef Janaina Rueda, do Bar da Dona Onça, no centro da cidade, criou um grupo de WhatsApp em que estão cerca de 300 chefs de todo o país. Entre as demandas apresentadas ao governo, estão a suspensão de obrigação de pagamento de impostos, criação de linhas de crédito especiais e o pagamento de funcionários durante a paralisação.
“Sem faturamento, os restaurantes não conseguem manter o quadro de funcionários. Então, abrimos o grupo justamente para pleitear e discutir soluções. Estou brincado que é o PDCB, partido dos cozinheiros do Brasil”, afirma Rueda.

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