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Insumos e risco de falso negativo são desafios para aumentar testagem, dizem especialistas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ao mesmo tempo em que apontam a ampliação do número de testes como necessária para saber a real dimensão da epidemia pelo novo coronavírus, especialistas citam a demanda por insumos e o risco de falso negativo de alguns modelos de diagnóstico como desafios.
Protocolo atual do Ministério da Saúde prevê que os testes sejam concentrados apenas em casos graves, como pacientes internados em hospitais, e em uma parcela de amostras de pacientes atendidos com sintomas de gripe em unidades sentinelas. A medida tem gerado polêmica por deixar possíveis casos sem notificação.
Para Carolina Lázari, médica chefe de biologia molecular no laboratório do Hospital das Clínicas da USP, a ausência de uma testagem ampla dificulta a análise do impacto do vírus no Brasil.
“Nesse momento em que temos só a técnica de PCR, são feitos testes só em casos graves. Acabamos vendo só a ponta do iceberg e temos pouca informação do que realmente ocorre na população geral. Podemos pecar nas medidas de contenção”, afirma.
“O quanto mais conseguirmos testar, seria o ideal. Vimos que, na dispersão da epidemia em outros países, aqueles que fizeram testagem em massa foram os que conseguiram tomar medidas de restrição e isolamento mais adequadas e estão com mortalidade mais baixa, caso da Coreia do Sul e da Alemanha.”
Atualmente, os testes usados na rede de saúde usam a técnica PCR, que verifica, por meio de reagentes, a presença a de material genético do vírus em amostras das vias respiratórias de pacientes. Considerados “padrão ouro”, esses testes têm alto grau de precisão.
O prazo de análise, porém, é visto como impasse -em geral, levam cerca de quatro horas até o resultado. Somado o prazo de coleta e de envio de amostras, o resultado pode levar dias.
Em meio a essa dificuldade, o Ministério da Saúde diz que pretende aumentar para 22,9 milhões a oferta de testes na rede de saúde. Desse total, 14,9 milhões são de testes moleculares, como os usados hoje.
Outros 8 milhões seriam de testes sorológicos importados, que usam amostras de sangue para detecção de anticorpos contra o vírus, o que indicaria que houve uma infecção -são os chamados testes rápidos.
A pasta, porém, afirma que pretende aplicar esse segundo modelo inicialmente apenas em profissionais de saúde.
Para Lázari, a oferta de testes rápidos pode ser uma alternativa a ser considerada também para a população. Ela ressalta, porém, que antes de usar esse tipo de tecnologia em larga escala é preciso verificar como ela se comporta com a realidade brasileira e se há uma eventual mudança nos dados em relação a outros países.
Atualmente, um dos testes rápidos previstos para uso na rede de saúde, a ser doado pela Vale, tem sensibilidade de 86,4% (o que quer dizer que, dos casos positivos, 86,4% são detectados).
Já a especificidade é de 99,5% (ou seja, há baixa chance de ter um dado positivo quando é de fato negativo).
“Eu costumo brincar: se você assiste o episódio do Masterchef e vai ao mercado que ele indicou, você tem certeza de que vai ficar igual? Não. A máquina e o cozinheiro são diferentes. Com o teste rápido é a mesma coisa.”
É como dizer que os próprios testes também deveriam ser testados, afirma ela. “O teste na bula é um norte, mas precisamos ter certeza que ele se reproduz na nossa população e com o tipo de vírus que circula por aqui.”
Segundo membros do ministério, a previsão é que essa validação comece a ser feita nos próximos dias.
Especialistas, no entanto, também alertam para a necessidade de construção de protocolos para evitar o risco de um resultado falso negativo com uso de testes rápidos. O motivo é o intervalo para detectar anticorpos.
“A partir do momento em que se tem sintomas, há uma janela imunológica de alguns dias para produzir anticorpos. Se o teste der positivo, a chance de ter a doença é alta. Mas se der negativo, não posso concluir que não está com a doença. A utilização dele tem que ser muito criteriosa”, afirma Gustavo Campana, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial. “É um teste promissor, mas que ainda não pode ser usado para fazer triagem.”
Para Campana, a estratégia de testar casos graves é justificável diante da situação atual, em que há competição por insumos e muitos laboratórios precisam importar equipamentos.
“Mas, a partir do momento em que o sistema se estrutura, isso tem que ser revisto”, diz. “Quantos mais testes, melhor. A ampla testagem é benéfica para entender a velocidade de transmissão da epidemia no país.”
Antes de ampliar os protocolos, porém, é preciso vencer a demanda acumulada por diagnóstico, afirma Dimas Covas, diretor do Butantan, em São Paulo.
Atualmente, o instituto finaliza ajustes em um laboratório que deve fazer parte da rede de testagem de casos. A expectativa é chegar a 2.000 exames por dia.
De acordo com Covas, a medida deve ajudar a reduzir o volume de casos que ainda aguardam confirmação. Em seguida, há possibilidade de ampliar o modelo. “A política ainda está mantida de testar só casos graves, mas existe possibilidade de mudar essa estratégia a medida em que os kits forem disponibilizados”, diz.
Ele reforça, porém, a necessidade de isolamento. “Não é o teste que vai substituir essa estratégia.”

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