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Artistas das periferias buscam saídas online para driblar quarentena

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em cima de uma varanda no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, Robinson Padial, 55, mais conhecido como Binho, grava uma mensagem no celular. “Vamos continuar falando de poesia” comentou ele antes de lançar a hashtag “#SarauEmTemposDeCorona”.
Na sequência do vídeo, além de pedir calma, indicar bom sono e vitamina C para manter a imunidade, leu “Congresso Internacional do Medo”, poema de Carlos Drummond de Andrade.
Binho e a esposa, Suzi Soares, 53, mantêm o Sarau do Binho há 16 anos na região. O vídeo gravado foi resultado dos últimos dias, depois de uma preocupação: a quarentena do coronavírus impediria o encontro de poesias na região.
Depois de uma conversa do coletivo no grupo do WhattsApp, surgiu a ideia de fazer um sarau por meio das redes sociais, com vídeos gravados nas próprias casas dos artistas.
“Nestes dias todos, a galera estava postando muitas coisas por lá, desde suas ansiedades, problemas financeiros, temores, inquietações diante de tudo o que está acontecendo, mas também tinha vídeos com música e poesia”, disse Soares.
Desde a semana passada, o casal se juntou a amigos para abastecer as redes sociais com vídeos de poesia e música para amenizar os problemas do coronavírus. Ao todo, cerca de cem vídeos foram publicados. “Já estamos recebendo vídeos de outros países, como Angola, Espanha, Estados Unidos e Portugal”, afirmou Soares.
A ação reinventada virtualmente não é isolada e atende a um problema enfrentado por artistas nesse período. Além da falta de atrações culturais para os públicos das periferias, vários artistas perderam a fonte de renda com o cancelamento de apresentações por causa da Covid-19.
Preocupados com a situação, cerca de 30 coletivos se reuniram para lançar a ação Manifesta Arte em Rede, entre os dias 1 e 15 de abril.
A ideia, encabeçada pela produtora cultural Luciana Gandelini, 36, de Santo André, na Grande São Paulo, foi pensada para disponibilizar atividades culturais às periferias, além de contribuir financeiramente com pessoas mais pobres.
Na página criada no Facebook, artistas de dança, circo, teatro, música, além de outras manifestações, promoverão duas semanas online de atividades culturais, como espetáculos e aulas.
“Pensamos em uma ação virtual para sensibilizar a população sobre a condição das pessoas com menor poder aquisitivo e da classe trabalhadora, que a partir de agora, serão fortemente impactadas pela crise do coronavírus”, disse Gandelini. “Lidamos com uma pandemia sem precedentes”.
O grupo Pandora de Teatro foi pego de surpresa pela pandemia. Os atores se preparavam para estrear o primeiro espetácua quarentena, os atores se uniram à iniciativa online.
“A gente já estava pensando em uma ação virtual para manter o grupo em evidência, aí surgiu o convite para entrar nesta rede de apoio”, diz a atriz e produtora Caroline Alves André, de 20 anos.
O movimento ainda contará com apoio da população com o que chamou de “chapéu online”. A ideia é que o público contribua de forma espontânea, com valores em dinheiro, por meio de uma “vaquinha virtual”.
Do total arrecadado, 20% do dinheiro será destinado à produção e à ajuda de custos para a realização do movimento. O restante deve ser distribuído para projetos que atuam com pessoas em situação de vulnerabilidade social, como Uneafro, UNAS Heliópolis e Comunidade Indígena Jaraguá.
O anúncio da pandemia afetou o cotidiano do músico Rodrigo Ferreira Coelho, de 44 anos, mais conhecido como Rodrigo Pirituba. Ele, que ensina música a iniciantes, recorreu às redes sociais em busca de novos alunos e para ensinar entusiastas.
Desde a semana passada, o morador do Imirim, zona norte, mudou as aulas particulares para o Skype e fez algumas sessões ao vivo em seu perfil pessoal para falar sobre iniciação à percussão de samba. Com a ideia, conseguiu alguns alunos.
“Agora, meus planos são estudar, gerar conteúdo, formatar vídeos interativos, com dicas culturais, pois as aulas dependem de cada aluno”, diz.
Segundo informações da Prefeitura de São Paulo, serão destinados R$ 103 milhões para apoiar artistas em meio à crise provocada pelo coronavírus.
Uma das iniciativas é o festival Janelas de São Paulo, inspirado nas manifestações artísticas feitas na Itália durante o período de isolamento social. A ideia é que as apresentações artísticas feitas em varandas, sacadas ou janelas sejam transmitidas pela internet.
Para garantir o pagamento dos cachês, os shows foram adiados para outras datas nos 11 centros culturais, 18 casas de cultura e nove teatros. Outra ação é a antecipação do calendário de editais, com a intenção de que os grupos artísticos realizem a pesquisa e pré-produção durante o período de quarentena.
“Minha preocupação maior é que estes editais acabam contemplando os que não estão precisando tanto assim, pois quando você se inscreve em um edital, o avaliador vai observar, dentre outras coisas, seu currículo, seu portfólio”, afirmou Soares.
“Nas periferias, há muitos artistas que sequer conseguem escrever um edital e não têm um computador com internet”, completou.
Para ela, os produtores periféricos terão poucas oportunidades de verbas, e por isso, seria necessário uma renda básica mínima de cultura.

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