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Fatia dos informais aumenta em quase todos os estados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fatia da mão de obra brasileira que trabalha sem carteira assinada ou de forma autônoma, mais vulnerável aos problemas econômicos que serão causados pelo coronavírus, aumentou em 24 das 27 unidades da Federação do país entre o início de 2014 e o fim de 2019.
Em nove estados, todos localizados nas regiões mais pobres do Norte e do Nordeste, a parcela de informais ou conta-próprias –que atuam com ou sem CNPJ– já ultrapassa 40% da população ocupada, segundo dados do IBGE. No Maranhão e no Pará, eles são mais da metade da mão de obra.
Em outros nove estados, o percentual é maior do que 30%. Santa Catarina e Distrito Federal ainda se encontram abaixo dessa marca, mas não muito. Os brasileiros atuando sem carteira ou como autônomos somados são, respectivamente, 29,1% e 28,7% do total de ocupados no estado do Sul e na capital brasileira.
É esse estrato que mais deverá sofrer com a brutal queda de demanda esperada na esteira do Covid-19. Isolamento domiciliar, trabalho remoto e queda da produção poderão derrubar a demanda por serviços informais e autônomos.
“Os trabalhadores informais são os mais sujeitos a sofrer com o perfil de desaceleração econômica que deveremos ter”, diz o economista Sergio Firpo, pesquisador do Insper.
A alta informalidade sempre foi uma característica do mercado de trabalho do Brasil, mas havia recuado nos anos de bom desempenho econômico em meados da década passada.
Com a recessão que teve início em 2014 e se estendeu até o fim de 2016, seguida por uma lenta recuperação nos últimos, a precariedade explodiu.
O desemprego saltou de 6,2%, no fim de 2013, para 13,7%, no início de 2017, forçando muitos brasileiros a buscar bicos para sobreviver. No país como um todo, os sem-carteira e os autônomos passaram de 31,2 milhões, no início de 2014, para 36,4 milhões, atualmente, um aumento de 17%.
Se os conta-própria com CNPJ forem excluídos da conta, o total de trabalhadores informais chega a ainda elevados 31,3 milhões.
Embora os autônomos sem registro sejam considerados mais sensíveis à crise atual, mesmo os que têm CNPJ devem sofrer, já que seu rendimento também não é fixo e oscila conforma as variações da atividade econômica.
Já muito elevada no Norte e no Nordeste mesmo antes da crise, a informalidade deu um forte salto também em regiões mais ricas do país.
No Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, a fatia de informais e autônomos como percentual do total de ocupados aumentou, respectivamente, 8,6, 6,5 e 5,2 pontos percentuais para 37,8%, 32,5% e 34,7%, desde o início de 2014.
Outro sinal da grande vulnerabilidade da mão de obra é o percentual de trabalhadores domésticos sem carteira.
Segundo especialistas, a ação do governo para amenizar os efeitos da crise de saúde precisa focar esses grupos. Na semana passada, foi anunciada a intenção de adotar medidas nessa direção. Um dos itens, que já passou pela Câmara, é um auxílio mensal de R$ 600 para trabalhadores informais, ao longo de três meses.
Para Firpo, essa ação será necessária, mas ele alerta para dificuldades de colocá-la em prática. Uma delas é determinar quem precisa do socorro.
Um informal pode, por exemplo, ter um cônjuge com bom nível de renda. Alguém com esse perfil provavelmente estará mais preparado para enfrentar a crise, precisando menos de ajuda, portanto.
O difícil é identificar esses casos. Uma solução, diz o espe- cialista, é analisar dados de declaração de Imposto de Renda. Mas isso pode levar tempo.
“Dada a urgência de medidas, talvez seja inevitável que esse benefício acabe se tornando quase uma renda mínima universal, de ampla abrangência”, diz Firpo.
O economista também ressalta que o impacto da crise sobre os informais e autônomos será diferente de acordo com o setor no qual trabalham. “O vendedor de álcool em gel não sofrerá como o ambulante de rua. Pelo contrário, pode se beneficiar”, diz.
Avaliar esse aspecto é, porém, ainda mais difícil, o que reforça a percepção de que a ajuda governamental provavelmente acabará sendo ampla, implicando custos mais altos para o setor público.
Outra questão que tem preocupado principalmente os governos estaduais e municipais é a inflexibilidade das regras de emprego no funcionalismo.
Ao contrário do setor privado, no qual empresas poderão adotar medidas como redução de jornada e salários, no público os funcionários estão protegidos por estabilidade tanto de vínculo empregatício quanto de remuneração.
Uma das propostas do governo, anunciada antes da eclosão da crise atual, é a realização de uma reforma administrativa, justamente para aumentar a flexibilidade na esfera governamental. Mas esse projeto ainda não foi apresentado ao Congresso.
Os dados do IBGE mostram que a população ocupada no setor público varia de 8,9% do total em São Paulo a 23,9% em Roraima.
Especialistas e governadores têm discutido o que seria mais nocivo para as economias locais: uma possível queda de demanda adicional caso fosse possível demitir servidores ou a deterioração das já combalidas contas dos estados que têm gastos elevados com suas folhas de pagamentos.
Apesar do impacto negativo de curto prazo, ainda difícil de ser estimado, especialistas têm ressaltado que a crise atual pode trazer mudanças estruturais positivas.
Segundo Firpo, uma delas é o aumento do trabalho remoto, que pode levar a uma redução da aglomeração em grandes centros urbanos.
“Há estados como Ceará e Pernambuco que melhoraram muito a qualidade de sua educação básica nos últimos anos, mas perdem esse capital humano para outros estados que oferecem mais oportunidades de emprego.”
Ao testar novas formas de trabalho remoto, as empresas podem ter ganhos significativos de produtividade, tendo como efeito colateral o favorecimento de uma geografia mais dispersa de mão de obra no país.
Crise já prejudica motorista de app e vendedor de comida
santos e RIO DE JANEIRO”‚Uma tendência após a recessão impulsionou as estatísticas sobre informalidade: o aumento no número de motoristas de aplicativo e vendedores de alimentos na rua.
Ediney Guimarães, 30, e Márcio Panúncio, 47, viveram os dois. Dirigiram para aplicativos e depois viram na venda de refeições a outros motoristas a oportunidade para fazer a vida reduzindo o estresse e as horas de trabalho.
O primeiro diz ter começado essa vida cedo, quando a concorrência entre os motoristas era menor. “Conseguia fazer algum dinheiro, mas o número de motoristas foi aumentando, e a renda, caindo”, conta. Há três anos, decidiu começar a vender quentinhas para colegas de profissão.
“Levava 20 quentinhas, não vendia quase nada”, diz. Quando conseguiu clientela fiel, parou de rodar e montou ponto em uma praça no centro de Niterói.
Vendedor mais conhecido da área, diz que chegou a vender de 120 a 130 quentinhas nos melhores dias. “Fui o primeiro, hoje tem mais de dez [vendedores]”, diz. Todos cobrando o mesmo preço: R$ 12, com direito a um refresco.
Márcio chegou depois, em meados de 2019, cansado das longas jornadas dentro do carro. “Estava trabalhando de 14 a 18 horas por dia para bater minha meta [de receita], fora o risco de assalto. Desisti”, conta.
Sem a clientela de Ediney, vendia entre 50 e 60 quentinhas por dia, que preparava com ajuda da cunhada. Era a única fonte de renda para o sustendo da casa, que divide com mulher e duas filhas. “Minha meta era chegar a 100”, planejava.
Na primeira semana de isolamento no Rio, Ediney já havia desistido de ir para a rua, limitando-se a entregas de encomendas, e Márcio, a despeito da menor concorrência, viu as vendas caírem para 30 refeições. “Se o rapaz do Honda [Ediney] vier trabalhar amanhã, eu nem venho”, disse à Folha no dia 20.
O rapaz do Honda não foi mais. “Deram o toque de recolher e estou sem trabalhar”, diz Ediney. As três funcionárias que faziam as refeições foram mandadas para casa. O estoque de mantimentos que tinha está lhe garantindo refeições.
“Estou com grana só para o aluguel deste mês”, diz.
A crise pegou Márcio em uma situação mais delicada: tinha acabado de investir para montar uma pensão no piso térreo da casa em que mora. “Depois que o coronavírus chegou, eu parei. Está quase 100% para ser inaugurada, mas com essa bomba não tem como.”
Da última vez que a reportagem o encontrou, disse que estava cortando supérfluos. Na semana passada, quando as restrições na cidade se aprofundaram e os carros de aplicativo praticamente sumiram, ele não apareceu mais. Diego Garcia e Nicola Pamplona

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