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Nas periferias, trabalhar em casa durante pandemia esbarra na qualidade da internet

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde a última quarta-feira (18), Deise Dantas, 34, precisou mudar o local de trabalho por causa da quarentena imposta pelo governo para combater o novo coronavírus. Recepcionista de uma clínica médica no Morumbi, ela começou a trabalhar na lavanderia de onde mora, uma casa alugada em Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
Os colegas de trabalho deram lugar a um papagaio que repete tudo o que ela fala ao telefone e as mesas, a máquinas de lavar roupa. A escolha do local se deu porque ali é o único lugar da casa onde a internet pega. “Não temos wi-fi, tenho que rotear a internet do meu celular para o notebook e o celular da empresa”, diz.
“Não tenho privacidade nenhuma, porque é um cômodo compartilhado com minha mãe e as proprietárias da casa. Mas não tem jeito, é só aqui que funciona. Dentro de casa mal consigo receber mensagens no WhatsApp.”
A mudança para o home office veio como uma questão de segurança para se proteger da disseminação do novo coronavírus.
No dia 22, o governador João Doria (PSDB) decretou quarentena em todas as 645 cidades do estado. Os serviços não essenciais devem permanecer fechados por 15 dias. A opção é trabalhar, estudar e procurar entretenimento dentro de casa, recorrendo muitas vezes à internet.
Porém, nas periferias da capital e de municípios da Grande São Paulo, enviar emails, participar de videochamadas, estudar e até assistir a filmes em plataformas de streaming esbarram em um problema técnico: a má qualidade da conexão.
Para conseguir trabalhar, alguns entraram no prejuízo. O analista de clientes Vagner Santos, 30, trabalha em uma agência de publicidade. Morador do Jabaquara, na zona sul da capital, precisou arcar com o valor de instalação de um pacote de softwares que necessitaria ter no computador pessoal para conseguir fazer o home office.
Ele já chegou a ter uma conexão própria em casa, mas precisava pagar R$ 119 por 35 mbps, que nunca chegavam corretamente. “Já cheguei a ficar vários dias com interrupção do sinal de cinco em cinco minutos. Eles vinham, trocavam e continuava assim.”
O valor começou a pesar no bolso, e hoje Santos divide os mesmos 35mbps com dois vizinhos. Para trabalhar em casa, ele precisou investir.
“A empresa chegou a perguntar se eu queria levar o meu desktop para minha casa. Eu disse que não, pois não tenho o cabo de rede e nem onde conectar, teria que ser um equipamento que funcione por conexão wi-fi, já que eu uso a internet do meu vizinho”, diz.
Ele precisou gastar R$ 70 na instalação, dinheiro que não tinha no momento. “A empresa pagou R$ 50 de ajuda de custo, mas a gente sabe que eles serão bem mais altos que isso.”
Após a pandemia, o governo federal editou na segunda-feira (23) a Medida Provisória 927, que altera algumas regras trabalhistas, incluindo as que versam sobre teletrabalho.
De acordo com o texto, não será necessário alterar o contrato para o empregador determinar o home office. A regra é que o empregado seja informado da mudança com, no mínimo, 48 horas de antecedência.
O documento prevê que um contrato escrito deverá conter os aspectos relativos à aquisição, manutenção e fornecimento de equipamento tecnológico para o trabalhador e possível reembolso de despesas. O texto não obriga o empregador a fornecer os equipamentos.
VELOCIDADE AFETA ESTUDOS
A velocidade da conexão também afeta quem precisa estudar. Em Carapicuíba, na região oeste da Grande São Paulo, a empregada doméstica Maria Luiza Ferreira, 55, lamenta que não conseguiu ajudar o filho a fazer o trabalho passado pela escola porque a conexão caiu.
“As atividades ficam no site e é complicado sem internet, meu filho não conseguiu descobrir nem o que precisava fazer”, diz.
O filho de Maria está na sétima série e estuda em uma escola estadual localizada no bairro onde mora, Helena Maria. Por lá, como em todo o estado, as aulas começaram a ser suspensas a partir do dia 16 de março e pararam efetivamente no dia 20.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo homologou a deliberação que permite que atividades realizadas por meio de EAD (ensino à distância) dos alunos do ensino fundamental e médio possam ser computadas como dias letivos.
O secretário de Educação, Rosseli Soares, disse, em uma transmissão no Twitter, que a pasta ainda busca parceiros para garantir acesso à internet para todos os estudantes.
“Estamos trabalhando com essa possibilidade de patrocínio da internet. Só é possível falar em internet se for acessível a todos os estudantes”, afirmou.
TRABALHO EM FAMÍLIA
Já em São Miguel Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo, a assistente jurídica Juliana Cristina Galzo, 26, está trabalhando em casa desde o dia 19.
Durante o expediente, ela precisa cuidar da filha de um ano e cinco meses. Uma das formas de entreter a criança é reproduzir músicas e vídeos no YouTube. Porém, como a conexão de internet é fraca, os players sempre ficam travando.
“Trabalho no meu notebook, minha filha praticamente adotou meu celular. Às vezes ela fica irritada porque o vídeo trava. É sempre um problema da internet, que não quer carregar. Aí ela me chama, vem para meu colo, eu paro de trabalhar. É uma sequência”, diz.
Juliana diz que uma tarefa que fazia em 10 minutos no escritório demora meia hora por causa da velocidade da internet.
Até o começo deste ano, a única operadora de internet fixa que chegava a seu bairro era a Vivo, com um pacote de baixa velocidade.
A partir de janeiro, a Claro começou a atender a região. Devido à necessidade de ficar mais em casa, a assistente tentou mudar de operadora, mas não conseguiu. “Eles falaram que só poderiam fazer a instalação depois do período de quarentena. Então não fechariam nenhum novo contrato até lá.”
OUTRO LADO
Procuradas, Vivo e Tim responderam que se pronunciariam por meio do SindiTeleBrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal).
O sindicato afirma que a internet não chega às periferias com alta qualidade porque São Paulo possui uma legislação desatualizada de instalação de infraestrutura de telecomunicações que impede a expansão das redes.
Diz ainda que há atualmente 1.728 pedidos de instalação de antenas, muitos deles nas periferias, aguardando o licenciamento pela prefeitura. O sindicato diz que há dois anos não são concedidas novas autorizações.
Questionada, a prefeitura não respondeu sobre as autorizações pendentes. Em nota, a gestão diz que também entende que a modernização da legislação é fundamental para modernizar o processo de análise e aprovação de novas antenas. Atualmente a lei que regula novas Estações Rádio-Base ERB é de 2004.
Tramita na Câmara Municipal o PL (Projeto de Lei) 751, de 2013, conhecido como PL da Antenas, que discute uma forma de tornar o processo mais ágil. Em 2019, foi instaurada uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre o tema. A comissão investiga possíveis irregularidades das empresas de telecomunicações que atuam no município.
A prefeitura ressalta que, em paralelo, trabalha na expansão da rede de wi-fi público na cidade. “Atualmente o wi-fi Livre SP conta com 295 localidades ativas por toda a cidade, da periferia ao centro”.

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