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Médica entusiasta da cloroquina contra Covid-19 já defendeu outras terapias sem evidências

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A imunologista e oncologista Nise Yamaguchi, 58, que chegou a ser cotada para substituir Luiz Henrique Mandetta (Saúde), defende tratamentos e condutas médicas sem evidência científica no contexto da pandemia de Covid-19.
A médica é uma entusiasta do uso precoce da combinação da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina já nos primeiros sinais da infecção por coronavírus -e não apenas para pacientes graves, como preconiza o Ministério da Saúde.
Por isso e por apoiar o isolamento vertical, em que só indivíduos nos grupos de risco da doença estariam resguardados, Yamaguchi tem sido elogiada por bolsonaristas nas redes sociais.
Na última segunda (6), a médica se reuniu com Bolsonaro, que já manifestou o desejo de liberar o uso da substância mesmo antes da conclusão de estudos de eficácia e segurança. Foi convidada a integrar o gabinete de crise de combate ao coronavírus.
Em seu recente canal no YouTube, a médica postou um vídeo em que diz que as drogas hidroxicloroquina e azitromicina são relativamente bem toleradas pela maioria das pessoas.
Afirma também que espera que logo o país possa ter uma distribuição mais ampla do tratamento aos pacientes. “A gente deseja que a doença não chegue aos casos mais graves.”
Mandetta, que tem apoio das sociedades médicas, diz que que não há embasamento científico para o uso profilático da substância. E pediu que ela tivesse o aval da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Nesta quarta (8), porém, a entidade divulgou um comunicado no qual reforça “a importância da validação científica na aplicação de quaisquer protocolos clínicos”. Também afirma que coloca sua Comissão Científica à disposição do Ministério da Saúde e de quaisquer outras instituições ou pesquisadores do Brasil e do exterior para dar apoio e suporte técnico científico à luta contra a Covid-19.
“É com preocupação que a Sociedade Brasileira de Imunologia vê a difusão massiva de informações e indicações posológicas para a Covid-19 que não passaram pelo método científico, pois seguem divulgadas sem as devidas comprovações, validações e extenuantes checagens de biossegurança. (…) Adicionalmente, a Sociedade Brasileira de Imunologia reforça sua posição à favor da importância do isolamento social imediato, como forma de prevenção e contenção da Covid-19, além do distanciamento social para serviços essenciais.”
A médica também está envolvida em outra polêmica. Ela tem afirmado que o uso dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), classe usada para tratamento de pressão alta, pode facilitar a entrada do coronavírus no organismo de pessoas que fazem uso dessas medicações, como hipertensos e diabéticos.
Por isso, defende que os pacientes com quadros leves e moderados dessas doenças troquem de medicação. A recomendação é rechaçada pelas sociedades europeia e brasileira de cardiologia e de diabetes.
“Até o momento não há evidências de que esses medicamentos tenham qualquer efeito negativo para seus usuários no contexto da Covid-10”, dizem as entidades.
“Eu adoto o princípio da precaução”, defende-se Yamaguchi no seu canal no Youtube.
Não é de hoje que o entusiasmo da médica por tratamentos e condutas sem amparo na medicina baseada em evidência é criticado na comunidade médica.
Na condição de anonimato, a Folha conversou com seis profissionais próximos à Yamaguchi.
“Ela é bem-intencionada, mas não tem o discernimento necessário para uma pessoa ligada à ciência”, afirma um oncologista.
Um outro médico reforça a mesma percepção. “Ela costuma vir com umas ideias e a gente pergunta: ‘de onde você tirou isso?’ Aí ela diz: ‘saiu um trabalho X’. Quando você vai ver, não tem evidência nenhuma”, diz.
“Eu imagino que ela tenha boas intenções, mas é, cientificamente falando, despreparada”, afirma um outro colega que já dividiu mesas de debates com a médica.
A reportagem tentou falar com Yamaguchi, ligando e enviando mensagem, mas não obteve retorno. À coluna Painel ela disse: “Temos que tomar cuidado com a politização que existe em cima de um assunto que é tão nobre. Eu sou suprapartidária. Trabalho sempre pela saúde, independente de partidos”.
Diretora do Instituto Avanços em Medicina, no bairro Bela Vista, Yamaguchi é formada em medicina pela USP e fez residência em clínica médica e imunologia no Hospital das Clínicas.
Na mestrado, também na USP, tratou de aspectos da imunologia de tumores. O doutorado foi na área da pneumologia.
Médica voluntária do Instituto da Criança do HC e que também atende no Hospital Israelita Albert Einstein,
é reconhecida por sua visão humanística em relação a pacientes e seus familiares.
“Com excesso de técnicas, os médicos foram se distanciando dos seus pacientes e perderam a chance de conhecê-los melhor e de se atuar no nível da imunologia, que já que a psique atua junto com a imunidade . Sabemos que o estresse, a angústia e o medo diminuem as chances de as células se defenderem”, diz ela em vídeo voltado a pacientes oncológicos.

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