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Covid-19 nos lembra que a desigualdade social não é algo criado por Deus, diz Graça Machel

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os planos para reconstruir o mundo após a pandemia de Covid-19 são uma oportunidade para acabar com os sistemas e mecanismos que perpetuam a desigualdade entre as pessoas, e que são vistos muitas vezes como algo imutável, apontou a ativista moçambicana Graça Machel, em uma live na manhã desta terça (23).
“É uma chance para resolver as desigualdades estruturalmente entranhadas, para mexer com nossas consciências e dizer ‘nós temos que resolver as injustiças sociais'”, defendeu ela.
“Vivemos como se as desigualdades fossem parte da vida, algo do qual não pudéssemos sair. Mas desigualdades não são uma graça de Deus. São frutos de sistemas feitos pela mão humana, que precisam ser desfeitos. Nos habituamos a viver com as injustiças, mas não devemos perpetuá-las”, disse.
“Não há justificativa moral para que as coisas sigam como estão, pois isso vai contra o fato de que toda pessoa nasce igual às outras.”
Graduada em filologia da língua alemã pela Universidade de Lisboa, ela fundou o Graça Machel Trust, que auxilia mulheres empreendedoras na África. Também é membro do grupo The Elders, de líderes globais, e presidente do Conselho de Administração da Universidade da Cidade do Cabo.
Graça, 74, também foi ministra da Educação e da Cultura de Moçambique, e viúva do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela (1918-2013). Ela vive atualmente na África do Sul.
A ativista falou sobre as desigualdades entre ricos e pobres que vivem no mesmo território, e também entre os países mais desenvolvidos e os que possuem menos recursos. “Temos de mirar nos exemplos de outros países. Hoje temos conhecimentos técnicos e científicos, e não há razão para que os povos continuem sem acesso à comida, água, eletricidade e a serviços decentes”.
Ela apontou que a pandemia deixou as diferenças sociais ainda mais visíveis, e deu como exemplo a dificuldade no acesso à aulas à distância. “Na África, muita gente ainda não tem acesso à energia elétrica. E sem isso, como ter acesso à aulas pela TV ou pela internet?”.
“No Brasil, um negro ter acesso ao ensino superior é considerado um privilégio. Em Moçambique, conseguimos vencer essa barreira. Pode-se discutir a qualidade desse ensino, mas temos a ferramenta. Ter acesso ao conhecimento científico e tecnológico e a empregos que garantam boas condições de vida é algo fundamental”, prosseguiu.
Graça defendeu que haja mais empenho na educação das meninas e mais esforços para a inclusão das mulheres no mercado formal. “Falar em economia informal significa que as pessoas conseguem o mínimo para viver”.
Apontou também que as pessoas mais pobres precisam mais espaço na política, para ajudar a definir os rumos dos gastos públicos de modo a beneficiar a todos, e não apenas a uma minoria. “Temos de nos organizar para confrontar os centros de decisão. Os Orçamentos [públicos] aprovados no Brasil ou em Moçambique lidam com recursos que são fruto do trabalho de todos os cidadãos, e todos temos o direito de usufruir deles”.
O evento, organizado pela entidade filantrópica UWB (United Way Brasil), teria um debate entre Graça e o apresentador Luciano Huck, mas falhas técnicas impediram a participação dele.

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