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Prisão de mercenários ameaça eleição presidencial na Belarus

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A eleição presidencial na Belarus, marcada para o dia 9 de agosto, está sob ameaça. Resta saber agora de quem.
O governo do país, liderado pelo autocrata Aleksandr Lukachenko há 26 anos, prendeu na quarta (29) 33 russos acusados de serem mercenários do infame Grupo Wagner.
Parece não haver dúvida de que eles são integrantes do grupo, que é liderado por um aliado próximo do presidente Vladimir Putin e fornece pessoal para ações de Moscou em guerras da Síria à Líbia.
Isso foi asseverado não só pelos bielo-russos, mas também por analistas militares russos e por órgãos independentes, como jornal Novaia Gazeta.
O problema começa ao definir o que eles estavam fazendo lá.
Nesta quinta, foi aberto um processo criminal acusando-os de ligação com Siarhei Tikhanovski, um popularíssimo blogueiro que havia virado o primeiro candidato de oposição viável contra Lukachenko em seis pleitos desde 1994.
Havia porque, no mês passado, ele foi preso acusado de tramar a derrubada do governo com os russos.
Sua mulher, Svetlana, assumiu então seu lugar e lançou-se candidata.
Para estrategistas da oposição, foi um golpe de marketing, mas mesmo entre eles há quem veja a candidatura como uma farsa apoiada pelo próprio Lukachenko para envernizar sua provável reeleição.
Svetlana negou, em entrevista coletiva na capital bielo-russa, Minsk, qualquer conexão com o caso.
A KGB, como ainda é chamado o serviço secreto no país, afirmou que ainda há cerca de 200 mercenários soltos pelo país buscando cometer terrorismo para desestabilizar o processo eleitoral.
Além da hipótese oficial, há suposições sobre o uso que Lukachenko pode querer fazer do incidente: ampliar as prisões políticas, que atingiram outro líder oposicionista que se viu impedido de concorrer, ou cancelar as eleições.
Segundo a agência de notícias estatal Belta, isso ainda não iria acontecer, sublinhando o ainda.
A principal hipótese com que trabalha a Rússia é a de que os mercenários estavam usando a Belarus como ponto de parada.
Segundo o embaixador russo no país, eles iriam para a Turquia e, de lá, para proteger infraestruturas energéticas de clientes.
A imprensa russa divulgou imagens de notas sudanesas, lembrando que o dono informal do grupo, o empresário Ievguêni Prigojin, tem negócios pessoais com minas de ouro no país africano.
Ele, que nega liderar o Wagner, é conhecido como o “chef de Putin”, por ser amigo do presidente e ter fornecido serviços de banquetes no Kremlin.
O analista militar russo Ivan Barabanov disse, por e-mail, que fazem pouco sentido tanto a teoria da tentativa de desestabilizar Lukachenko quanto a do trânsito.
“Apesar de ser mais fácil passar pela Belarus na pandemia da Covid019, é um local muito vigiado. E golpe você não dá com 30 ou 200 pessoas”, afirmou.
Um diplomata ocidental em Minsk falou, por mensagem de aplicativo e pedindo reserva, acreditar que o mais provável é uma armação do presidente, que se aproveitou da presença dos mercenários no país.
Isso não responde à questão sobre o motivo de eles estarem lá, e o mesmo diplomata levanta a hipótese de uma infiltração ao estilo feita na Crimeia antes da anexação pela Rússia, em 2014.
Moscou e Minsk têm uma aliança formal desde 1999, o Estado da União, que Putin trata como um embrião de uma fusão. Ser um superpresidente dele era uma opção do líder, que acabou optando por mudar a Constituição e tentar permanecer no poder até 2036.
Lukachenko nunca aceitou isso, embora seja um cliente preferencial dos russos em termos energéticos e militares.
Desde que a Ucrânia perdeu a Crimeia, ele vem acenando também ao Ocidente, tentando uma improvável composição para agradar os dois lados.
Putin tem ficado crescentemente contrariado com isso, e durante alguns meses deste ano cortou o suprimento de petróleo subsidiado aos bielo-russos.
A crise parecia algo superada, mas a ascensão de candidatos de oposição viáveis e a seguinte repressão levaram tudo à estaca zero.
O autocrata acusa diretamente a Rússia de interferir no pleito, o que o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou nesta quinta.
Por outro lado, se levar adiante acusações criminais contra os mercenários, Lukachenko poderá romper de vez a frágil aliança –que, ao contrário do que acontece na Ucrânia em relação aos russos, tem bastante apoio da elite política do país.
Isso pode piorar. Com as identidades dos presos reveladas, foi apontado que cerca da metade deles já havia servido ao Kremlin na Ucrânia.​
Isso levou Kiev a pedir a extradição desses russos, o que geraria inevitavelmente uma escalada da crise.
Se houver uma perda de controle por parte de Lukachenko, o risco de uma intervenção direta da Rússia também aumenta.
Assim como a Ucrânia, Moscou vê a Belarus como uma anteparo territorial vital contra as forças da Otan (aliança militar ocidental).
Perdê-la para estruturas políticas ocidentais ou vê-la cair no caos, ainda mais com boa parte de seu gás para a Europa passando pelo país, é algo fora de questão.
Essa leitura é a única que favorece a teoria conspiratória de Lukachenko, a de uma insurreição para enfraquecê-lo, apesar de o seu histórico repressor apontar para outras hipóteses.
A Europa assiste ao drama na sua “última ditadura”, como um dia definiu a ex-secretária de Estado Condoleeza Rice, de olho na estabilidade de sua fronteira no Báltico e na segurança energética dependente do gás russo.

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