Cultura

Briga eleitoral entre Joice e Covas inibe lives de artistas que tiveram apoio público

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos últimos refúgios do teatro na pandemia, as apresentações online com apoio público estão sofrendo restrições na veiculação. Com as eleições municipais chegando, a prefeitura da capital suspendeu as redes sociais de espaços culturais públicos, como a Biblioteca Mário de Andrade e o Centro Cultural São Paulo (CCSP) – os respectivos canais no YouTube tiveram todos os vídeos apagados.
Artistas que se apresentariam em parceria ou com apoio de equipamentos públicos do município agora só podem divulgar e veicular seus conteúdos nas suas próprias redes.
“Tudo isso é muito triste: chegamos a esse ponto como país, o de entender ação cultural –e uso de redes sociais a serviço da Cultura– como simples propaganda partidária”, postou em sua página no Facebook a diretora da Mário de Andrade, Joselia Aguiar.
Após o início da crise sanitária, a biblioteca iniciou uma série de vídeos no YouTube. Três vezes por semana, eram promovidas conversas e debates sobre livros, teatro e questões contemporâneas. A programação foi então interrompida e todo o conteúdo armazenado no canal da Mário de Andrade foi apagado. A segunda edição do Festival Mário de Andrade, prevista para acontecer em outubro, foi suspensa.
No CCSP, a companhia de teatro Os Crespos promovia – presencialmente até novembro de 2019 – encontros mensais nos quais explorava a temática da negritude. O plano era retomar as atividades em março deste ano, mas a pandemia os forçou a migrar para as redes sociais do centro cultural. As apresentações virtuais mensais tiveram início em maio. Em agosto veio a informação de que as redes do centro cultural seriam suspensas. “A gente sabe que é comum em ano eleitoral não ter publicidade”, diz Rafael Ferro, produtor da companhia. “A gente ia tirar o logo [da prefeitura], não citar o centro cultural, mas a gente achou que a apresentação poderia acontecer na rede [social do CCSP].”
A live de agosto aconteceu nas redes da própria companhia de teatro, que possui 3.000 seguidores no Instagram e 12 mil no Facebook. O CCSP tinha 183 mil seguidores no Instagram e 180 mil no Facebook.
A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo chegou a promover um festival de teatro online, anunciado em julho. O edital do Festival Palco Presente remunerou 72 espetáculos de teatro, dança e circo, com valores de R$ 6 mil a R$ 12 mil, destinando um total de R$ 700 mil ao projeto.
O edital dizia que “todos os espetáculos, no âmbito do Festival Palco Presente – 2020, deverão se realizar garantindo a transmissão ao vivo nas redes sociais dos proponentes, dos teatros ou espaços cênicos e da Secretaria Municipal de Cultura”.
O festival aconteceu na data prevista – 28, 29 e 30 de agosto. Os artistas, porém, se apresentaram somente nas próprias redes.
“A gente ficou sabendo no meio do processo que a secretaria não ia divulgar”, diz Marcos Felipe, artista da Cia. Mungunzá, que conseguiu R$ 6 mil para o espetáculo “Poema em Queda-Live”, pelo edital.
A peça teve uma média de 350 espectadores por dia, no Zoom e YouTube.
“Estamos falando de um projeto financiado via recurso público, e menos pessoas tiveram acesso [aos espetáculos]”, diz o artista.
A prefeitura afirma que “o conteúdo das redes sociais e dos sites de notícias publicados ao longo dos últimos anos foi suspenso temporária e preventivamente em função do início do período eleitoral. Ainda assim, as programações promovidas pela SMC prosseguem sem prejuízo às ações de apoio aos trabalhadores da Cultura, assim como a realização do Festival Palco Presente, ocorrido de 28 a 30 de agosto”.
A prefeitura também afirma que conteúdo de sites e redes sociais foram suspensos “preventivamente”. O movimento ocorre após o Partido Social Liberal (PSL) ter entrado com representação na Justiça Eleitoral pedindo que a gestão Bruno Covas (PSDB) retire todo conteúdo entendido como publicidade institucional. O pedido é assinado pela deputada Joice Hasselmann, oficializada candidata à prefeitura.
A lei proíbe, nos três meses que antecedem as eleições, divulgação institucional de ações promovidas pelos órgãos públicos e de entidades da administração indireta, “salvo em caso de grave e urgente necessidade pública”.
Brigas judiciais são comuns nos períodos pré-eleitorais no Brasil todo, diz a advogada eleitoralista Paula Bernardelli. E as ações culturais não são as únicas a serem atingidas por essas restrições. O que não é comum é uma pandemia que impede apresentações artísticas presenciais.
“A legislação eleitoral tem esse cuidado de evitar vantagens competitivas [a quem já está no poder]. Mas é óbvio que não havia nenhuma previsão para o contexto que a gente está vivendo [de pandemia], não tinha como se preparar para isso.”
“Há um entendimento que tem prevalecido na Justiça Eleitoral de que as prefeituras devem tirar todo o conteúdo das redes oficiais”, diz a advogada. Assim, o movimento da prefeitura parece seguir uma lógica pragmática, já que não excluir pode abrir margem para ação de abuso de poder político. “E isso pode levar a cassação de candidaturas”, diz.

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