Cultura

Teatro Amazonas retoma apresentações com público e orquestra reduzidos

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Após quase seis meses sem apresentações abertas ao público, o Teatro Amazonas retomou a agenda de espetáculos na noite desta quarta-feira (2), em meio a uma aparente estabilidade da Covid-19 em Manaus. É o primeiro grande teatro do país a retomar suas atividades com público.
Principal cartão-postal da capital, o Teatro Amazonas, patrimônio histórico inaugurado em 1896, fechou as portas em 16 de março por conta da pandemia e só reabriu para visitação turística no dia 3 de julho. Durante todo o mês, mais de 800 pessoas participaram das visitas guiadas pelo interior do local.
Em agosto, foram realizados espetáculos especiais, em homenagem aos profissionais de saúde, mas só agora os eventos abertos ao público começaram a ser realizados.
Cerca de 240 pessoas -35% da capacidade total do teatro- foram à apresentação em comemoração aos 20 anos da Ovam (Orquestra de Violões do Amazonas), dividida ao meio. Dos 20 integrantes da orquestra, apenas dez se apresentaram na quarta, todos (com exceção da cantora soprano) usando máscaras.
A retomada dos eventos abertos ao público no Teatro Amazonas segue um protocolo segundo o qual apenas 50% dos lugares ficam disponíveis e é obrigatório o agendamento prévio, pela internet, da visita ou do assento na platéia. As apresentações são gratuitas.
Distanciamento social na hora da entrada, uso obrigatório de máscara, aferição de temperatura de funcionários, artistas e público, e disponibilização de totens de álcool em gel logo na entrada do teatro também estão entre as medidas de segurança adotadas para a volta dos espetáculos.
Nada de escolher onde sentar: a entrada é controlada para não haver aglomeração. Usando máscaras e viseiras de proteção, os funcionários do teatro indicam aos espectadores onde devem ficar.
Na plateia, as cadeiras foram bloqueadas alternadamente, de modo que ninguém se sente aos pares –medida que alguns casais burlaram ao apagar das luzes. As três primeiras fileiras da plateia também foram bloqueadas, para garantir distanciamento entre artistas e público.
Nas frisas e nos camarotes, onde as cadeiras não têm distanciamento, são permitidos apenas grupos de pessoas que já convivem entre si. A entrada de crianças com menos de 12 anos, idosos e pessoas do grupo de risco não é permitida.
As novas regras foram bem-recebidas pela estudante de medicina Ana Luiza Coelho, de 24 anos, que, assim que soube da retomada dos espetáculos, agendou a presença pela internet.
“Estava morrendo de saudades de vir ao teatro, por isso vim logo hoje. E notei muita diferença, desde a entrada [os funcionários] estão sendo muito rigorosos com o distanciamento para evitar aglomerações e garantir o uso de máscara e álcool em gel. Estou me sentindo bem, totalmente diferente de lá fora [na rua], até me sinto mais segura aqui dentro”, disse a estudante, que chegou quase 40 minutos antes para evitar as filas -que não se formaram.
A administradora Daila Freitas, 24, já estava frequentando outros espaços públicos, como shoppings, restaurantes e salões de beleza, que em Manaus estão liberados desde julho, mas sempre com máscara. Ela aguardava ansiosa a hora de poder voltar a frequentar o Teatro Amazonas.
“Eu vejo essa reabertura mais como um refúgio, para a gente poder sair do ambiente de casa ou do trabalho. Mesmo com tudo diferente, sem poder escolher onde sentar, é um alívio”, diz a jovem, que nunca fez teste para Covid-19 mas diz acreditar que ela -e toda a família- já tiveram a doença.
A comissária de voo Sabrina Costa, 30, e o marido, o engenheiro eletricista Francisco Costa, 38, também se disseram ansiosos pela retomada das atividades culturais, uma vez que já voltaram a frequentar outros espaços públicos.
“Mas sempre com máscara e álcool em gel dentro do carro. Nos locais aos quais temos ido, o pessoal sempre tem cumprido os protocolos. O problema é na rua, onde se cuida quem quer e a gente vê que tem gente que não está tomando esses cuidados”, disse Costa, referindo-se à circulação de pessoas sem máscaras no largo São Sebastião, em frente ao Teatro Amazonas, no centro histórico de Manaus.
Para Francisco, a volta dos espetáculos culturais é um “respiro” após quase seis meses de isolamento. “Está sendo bem diferente, mas quase seis meses depois é bem bacana poder estar de volta.”
A expectativa e a apreensão pelo retorno dos espetáculos no Teatro Amazonas não eram apenas do público.
Os artistas, que durante a pandemia ensaiam à distância e se apresentam por transmissões ao vivo pela internet, estavam ansiosos por ver a plateia lotada e ouvir os aplausos do público.
“Esses aplausos fizeram muita falta. Vocês não sabem a alegria que é para nós poder nos apresentar de novo para o público”, disse o maestro Davi Nunes, regente titular da Ovam há 11 anos, após o fim da primeira música.
Para o músico Elias Ferreira, 33, um dos violonistas da Ovam, essa retomada dos espetáculos culturais é natural, após a reabertura dos demais setores da economia, e também fundamental não só à saúde financeira dos artistas, como ainda à saúde mental de todos -profissionais e espectadores.
E apesar das adaptações para os ensaios -a orquestra foi dividida em dois grupos e os encontros foram reduzidos para apenas uma reunião presencial e, as demais, virtuais-, a expectativa dele era a melhor possível para a apresentação.
“Os ensaios foram reduzidos de três para um por semana, de duas horas. Fizemos de três a quatro ensaios antes desta apresentação”, contou Ferreira, que mora com os pais, ambos idosos e principais motivos de sua preocupação neste retorno das atividades culturais. “Com menos ensaios, a gente tem que estudar as músicas em casa e ir alinhando por videoconferências.”
“Sempre me preservei bastante por viver com eles e continuo me cuidando agora, com esse retorno: sempre usando máscara, higienizando as mãos, mantendo distância. Tranquilo é uma palavra que a gente só vai usar mais para frente. Hoje eu me sinto apto a trabalhar”, disse ele.
O gerente de espetáculos do Teatro Amazonas, Sandro de Souza Paulo, explicou que o protocolo de retomada gradual das atividades do teatro foi aprovado pela FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas), que não permitiu, por exemplo, a volta das atividades do Coral do Amazonas.
“A recomendação é que, devido às gotículas de saliva que os coristas expelem ao cantar, poderia ser um risco maior ao público. Pelo mesmo motivo retardamos o retorno dos ensaios dos instrumentos de sopro e reduzimos todas as orquestras e corpos artísticos pela metade, para reduzir os riscos tanto nas apresentações quanto nos ensaios”, relatou.
Nas apresentações de equipes artísticas com mais pessoas, como a Orquestra Filarmônica do Amazonas e a Amazonas Jazz Band, que devem se apresentar nos próximos dias, a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, que administra o teatro, pretende instalar barreiras de acrílico entre os integrantes, para garantir a proteção dos músicos, informou o titular da pasta, Marcos Apolo Muniz, que vê a reabertura do Teatro Amazonas como “um laboratório” para o resto do país.
“Nos preocupa sermos os primeiros e funcionarmos como um laboratório, mas estamos seguros do que estamos fazendo, sabendo que estamos sujeitos a falhas. A gente compreende [isso] como um desafio, mas ao mesmo tempo entende a necessidade de retomada, mesmo que gradual. O grande termômetro é a adesão do público”, disse Muniz.
Segundo ele, apesar de liberada desde a primeira semana de agosto, a reabertura do Teatro Amazonas ao público foi retardada em duas semanas para chegar ao melhor protocolo, que descartou as apresentações a céu aberto no largo São Sebastião, bastante tradicionais em Manaus.
“O teatro é um ambiente controlável. É diferente de fazer um espetáculo na praça, a céu aberto. Lá seria mais difícil evitar aglomerações”, opinou o secretário.
O grande número de pessoas circulando sem máscara no largo São Sebastião -apesar da multa de R$ 108 para quem não usá-la, sancionada pela Prefeitura de Manaus- deixou a advogada Luciana Cardoso, 43, apreensiva.
“Ainda não estou saindo muito de casa e vi muita gente sem máscara na praça, preferi entrar logo no teatro porque me pareceu mais seguro. Muita gente está se comportando como se a pandemia já tivesse acabado”, lamentou.
E não acabou mesmo: o Amazonas tinha 120.919 casos confirmados e 3.661 mortes por Covid-19 até a última segunda (1º), com registro de seis mortes em 24 horas. Apesar da média de mortes ter sofrido pouca variação nas últimas semanas, o número de leitos de UTI ocupados por pacientes com Covid-19 aumentou 37% entre os dias 10 e 30 de agosto, passando de 79 para 108 pessoas, segundo o epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana.
“É inaceitável que a população local esteja mergulhada há mais de seis meses em uma espécie de experimento natural, onde parecem usar a cidade como um grande laboratório”, apontou.

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