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Viggo Mortensen estreia na direção com 'Falling', que faz analogias políticas aos EUA

LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – A busca da conexão entre lados extremamente opostos parece ser a tônica do cinema americano neste atípico 2020. “Nomadland”, “Destacamento Blood”, “First Cow” e “One Night in Miami”, todos com chances de abocanhar indicações ao Oscar, investigam a possibilidade de compreensão e aceitação. “Falling”, estreia do ator Viggo Mortensen na direção, também entra neste time de uma maneira mais íntima e familiar.

Essa procura da liberal e metida à moderna Hollywood pela da alma do homem simples não é novidade -pelo contrário, foi o sustentáculo da indústria durante anos trazendo faroestes para as grandes massas. No entanto, a fricção entre opiniões exacerbadas pelas redes sociais e por movimentos políticos radicais virou uma grande atração para cineastas.

Viggo Mortensen não faz isso de forma consciente no seu longa apresentado no Festival de Toronto. Roteirizado, protagonizado, produzido e dirigido pelo ator (que também assina a trilha sonora com o amigo Buckethead, ex-guitarrista do Guns N’ Roses), o longa é uma tentativa do seu criador em lidar com a morte da mãe há cinco anos e como o pai distante lançou uma sombra sobre a família.

Em vez de investir na personagem feminina, o dinamarquês-americano resgata um pai extremamente grosseiro, preconceituoso, machista e teimoso, vivido por um assombroso Lance Henriksen, em um dos seus melhores papéis desde “Aliens, O Resgate”, de 1986. Willis é esse poço de azedume na velhice, assombrado por uma demência que não serve de desculpa para seus atos.

John, o filho vivido por Mortensen, é retrato negativo do pai: um homem gay, feliz e casado, vive na liberal Los Angeles, trabalha como piloto comercial e fala com a filha em espanhol e inglês. Willis passou a vida numa fazenda do interior do outro lado do país, aprendeu com o pai como um “macho” deve agir e faz piada com Picasso quando visita um museu.

Não é difícil tecer as analogias entre as posições políticas nos EUA de hoje, às vésperas de uma eleição que promete ser ainda mais brutal e discordante. Isso fica mais evidente quando John leva o pai para realizar exames na Califórnia e procurar uma casa -supostamente, o velho quer se mudar para o estado, apesar de negar.

Hospedado numa casa moderna, com panfletos com o rosto de Obama e cuidado por dois homens gays, casados e com uma filha pequena, Willis encontra o cenário perfeito para suas ofensas. John revela que fez uma promessa de não se deixar afetar por esses ataques: beija o marido (interpretado Terry Chen) na frente do pai, não entra em conflitos violentos (acredite, tem horas que você quer pular na tela de raiva) e ouve aquela figura distante de sua infância de maneira passiva.

“Falling” não justifica esses abusos e não culpa a doença. Ao introduzir os netos de Willis na trama, Mortensen mostra dois lados de uma nova geração, aquela que não leva desaforo para casa ou simplesmente encara velhas opiniões como se estivessem observando a vitrine de uma loja de antiguidades prestes a fechar as portas. A cena rende uma ótima participação de Laura Linney como a irmã mais nova.

Usando e abusando de flashbacks, o diretor estreante se interessa mais em entender como aquele comportamento influenciou na vida da mãe -que foi embora logo cedo para criar os filhos longe- e nos limites do perdão familiar.

Ele faz isso equilibrando seus dois lados na carreira, o artístico e o comercial. Mortensen é poeta, escritor, pintor, músico e adora trabalhar em projetos alternativos internacionais (ele fala sete línguas). Porém, ficou conhecido pelo papel de Aragorn na trilogia “O Senhor dos Anéis”.

“Falling” é mais acessível do que se espera e não é tão comercial como alguns produtores desejam. O filme é equilibrado e delicado, mas tem alguns pecados -como a redundância dos desabafos do turrão, que trafegam no limite do suportável. Mas ele tem a grande vantagem de conseguir produzir empatia e conexão sem apelar para clichês piegas. E mostra que ignorância tem algo em comum com a sabedoria: as lágrimas de uma dor.

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