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Filha de Amyr Klink orgulha e preocupa o pai ao velejar sozinha

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A bordo do pequeno barco Sardinha, Tamara Klink, 23, ficou indecisa. A previsão era de tempestade forte e vento, com muitas ondas.

Ela talvez conseguisse seguir viagem e, assim, não ficaria parada em Thyboron, povoado dinamarquês de 2.200 habitantes. Se decidisse não ir, permaneceria por duas semanas empacada. Isso com os dias cada vez mais curtos, e as noites, mais longas por causa da mudança de estações.

Resistiu o quanto pôde, mas resolveu pegar o telefone e ligou para o pai, Amyr Klink, 65. “Foi a única vez que ele me deu conselho na viagem, e foi excelente”, conta.

Amyr foi a primeira pessoa a fazer a travessia do Atlântico sul a remo e se tornou o mais famoso navegador brasileiro. A bordo de veleiros chamados de Parati, foi a Antártida várias vezes e realizou viagens de circum-navegação da Terra.

“Eu disse a ela para se preocupar com a direção da tempestade. Se o mau tempo for a favor [da direção que deseja ir], vai embora. Se for contra, se encolhe no porto”, ele explica.

Tamara decidiu ficar 14 dias em Thyboron. Em cerca de um mês, ela fez a travessia pelo Mar do Norte da Noruega à França, onde está no meio de uma extensão universitária em arquitetura naval na cidade de Nantes. Viajou sozinha em um veleiro que teve de ser adaptado para a jornada e comprado com dinheiro emprestado por um amigo norueguês.

“Chamei-o de Sardinha porque é um nome engraçadinho e despretensioso. Sardinha todo mundo conhece, está em todos os oceanos e faz grandes migrações. E também é um nome no diminutivo, e eu gosto de palavras assim em português”, explica.

A estudante já havia acompanhado a família em viagens à Antártida, mas sempre teve na cabeça o plano de navegar sozinha. A primeira coisa que passava em sua mente, quando qualquer problema aparecia, era como resolveria aquilo sem companhia nenhuma.

Isso não surpreende Amyr. Tamara sempre foi a mais “desprendida” de suas três filhas. Ele também usa a palavra “ousada” para definir a irmã de Laura (sua gêmea) e Marina Helena, 20.

O pai não se deixa levar pelo jeito da filha, que costuma rir no final das frases e fala como se não tivesse preocupações. Ele reconhece que por trás disso existe uma vontade de ferro. Para fazer a travessia Noruega-França era necessário desejar muito e não contar com nada de mão beijada dos pais.

“Eles me criaram de uma forma que a gente não dependesse deles. Se eu perguntar ao meu pai como se faz determinado nó, ele não vai dizer. Vai indicar um livro em inglês que mostra como se faz”, conta Tamara.

Isso explica porque o pai lhe disse que, se quisesse viajar sozinha, teria de passar por todas as provações e aprender.

“A Tamara sentiu que posso ajudar com conhecimento. Não vou dar dinheiro. Não vou dar barco. Falei para ela que vai ter de passar pelo processo. Vai ter de fazer o projeto, correr atrás do dinheiro, ser enganada, chorar e depois começar de novo”, diz Amyr.

A filha não o avisou quando comprou o Sardinha graças a um empréstimo. Não comentou nada enquanto fazia toda a adaptação para a viagem. Apenas o comunicou que faria a travessia um dia antes de iniciá-la.

“Entrava água por vários buracos. Os equipamentos eletrônicos não eram suficientes, e os que tinham davam curto-circuito. O barco inclinava. Deu muito trabalho”, relata.

“Quando disse para o meu pai [sobre a travessia], ele falou: ‘legal, parabéns’. Para mim, é uma demonstração de confiança. Se ele tivesse se colocado na postura de me ensinar tudo, eu não teria aprendido tanto. Ele só faz isso porque acredita em mim”, conclui.

O gosto pelas aventuras marítimas faz com que os dois se conectem desde sempre. Amyr montou uma biblioteca repleta de livros em francês com histórias de navegações a partir das indicações de Caio Graco Prado, dono da Editora Brasiliense, e as obras também foram lidas pela filha.

Ele disse “parabéns” e “legal” em tom casual, mas admite ter morrido de medo da aventura de Tamara. Poucas vezes olhou no GPS em tempo real para ver onde ela estava naquele momento. A mãe, Marina Bandeira, checava de hora em hora. O receio era o constante trânsito de embarcações grandes e pequenas e as rochas, especialmente no trecho da Noruega.

Uma das primeiras coisas que o pai disse à filha quando a aventura terminou é que agora ela precisa terminar o curso de extensão. Foi para isso que viajou à França, local que agora chama de casa.

Falta um ano e meio. O próximo plano será voltar ao Brasil, sozinha, navegando no Sardinha.

“Eu tenho suposições de como vai ser. Quando a gente percebe que pode parar em muitos lugares, sabe que no próximo porto há chance de resolver qualquer problema que apareça, talvez com um profissional. Mas em uma travessia até o Brasil, a fadiga, a exaustão e os problemas se acumulam” reflete.

Disso tudo deverá sair um livro, pelo menos no que depender de Amyr Klink, autor de obras sobre suas viagens pelo mar. Bem ao seu estilo, ele já deixou claro o que espera de Tamara. “Ela escreve muito bem”, elogia.

“Ele disse isso? Sério? Na última vez em que eu estive com meu pai, ele me deu essa provocada. Disse que era legal escrever no Instagram, poemas… Mas falou que nada disso vai durar até eu escrever um livro. Tenho esse plano e penso em como começar”, ela responde.

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