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‘A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília’ discute temas sérios sem perder encanto para crianças

(FOLHAPRESS) – Gedeone, um trovador ambulante, e Almerina, sua jovem aprendiz, percorrem a Sicília contando histórias, apresentando-se nas praças em troca de tostões. Uma noite, a dupla é surpreendida por uma tempestade, e busca abrigo em uma caverna. Só que o lugar já tem dono: um velho urso, que desperta mal-humorado e faminto de sua hibernação. Para distrair a fera, Gedeone e Almerina fazem a única coisa que sabem: contam uma história.

Assim começa “A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília”, um premiado longa em animação exibido na mostra paralela “Um Certo Olhar” do Festival de Cannes de 2019. Coproduzido pela França e pela Itália, o filme pode ser visto no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece em diversas cidades brasileiras até o final de fevereiro de 2021.

A primeiríssima versão de “A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília” surgiu em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, como uma história em capítulos, publicada na revista italiana Corriere dei Piccoli, voltada ao público infantojuvenil. Três anos depois, seu autor, Dino Buzzati, reescreveu o texto para publicá-lo em formato de livro, também ilustrado por ele.

“É uma trama muito visual, e Walt Disney logo quis comprar os direitos para o cinema”, conta o diretor italiano Lorenzo Mattotti em entrevista por videoconferência. “Não foi só ele. Ao longo de muitas décadas, Dino Buzzati recusou todas as ofertas. Que bom para mim!”, ri ele.

“Depois que Buzzati morreu, sua viúva Almerina fez o mesmo. Até para mim ela disse não, quando eu a procurei pela primeira vez. Mas, alguns anos depois, através de um amigo que também agenciava a obra de Buzzati, consegui encontrá-la pessoalmente e mostrar meu trabalho.”

Mattotti mora na França há muitos anos, e o filme foi feito em seu país de adoção – a Itália entrou apenas com parte do financiamento. “Os franceses têm uma verdadeira indústria de animação e lançam vários filmes por ano, algo que os italianos não fazem”, continua o cineasta. “Além disso, os únicos lugares do mundo que ainda têm muitos bons animadores em 2D são a França e o Japão.”

“A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília” é em 2D porque Mattoti quis ser fiel às ilustrações originais de Buzzati, mas é claro que a computação gráfica foi usada para criar cenários e efeitos especiais. O resultado é um visual coloridíssimo e impactante, que vai atrair até as crianças de menor idade.

Os pais também vão se interessar. A história que Gedeone e Almerina contam deslancha de maneira simples: Leôncio, o rei dos ursos, convoca todos de sua espécie para ajudá-lo na busca por seu filho, Tonio, que desapareceu misteriosamente. O que eles ainda não sabem é que o ursinho foi capturado por humanos e vendido para um circo.

Os ursos chegam a uma cidade dominada por um príncipe, que os recebe a bala. O que era até então uma abordagem pacífica logo se transforma em guerra. Dá até para fazer paralelos com a situação vivida pela Europa na época em que o livro foi escrito, com as tropas do Eixo enfrentando as forças aliadas.

A partir deste ponto, “A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília” se transforma em uma narrativa com muitas camadas, sem nunca se tornar complexa demais ou incompreensível para as crianças. Diversos temas são abordados ao mesmo tempo: a convivência e a tolerância entre diferentes, as tentações do poder, o relacionamento entre pai e filho, as identidades que mudam através dos tempos e, emoldurando tudo isso, o prazer de contar e ouvir uma boa história.

Sem as piadinhas histéricas de muitas animações americanas e sem fazer referência direta a nenhum acontecimento contemporâneo, “A Famosa Invasão dos Ursos na Sicília” já nasce atemporal. E, assim como o livro que lhe inspirou, tem tudo para se tornar um clássico.

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