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Atleta leva corrida de rua para bairros negros de Charlotesville, nos EUA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Charlotesville, na Virgínia, ganhou notoriedade mundial em agosto de 2017 quando uma mulher morreu após um homem atropelar manifestantes antirracistas contrários a um ato de supremacistas brancos –19 ficaram feridos. O declarado apoiador de crenças neonazistas James Fields, 21, foi condenado à prisão perpétua.

Nessa época, o barbeiro William Jones 3º já morava havia 11 anos na cidade e corria havia 13. Logo após ter se mudado, porém, percebeu que não via corredores negros em suas saídas. “Eu disse: ‘Eu tenho que me ver lá fora’”, afirmou Jones, 38, ao jornal americano The New York Times.

“Precisamos correr em nossos bairros. Se não estou vendo pessoas negras correndo, então as pessoas que realmente precisam ver corredores negros não os estão vendo.”

Foi aí que surgiu um percurso de pouco mais de 8 km, em que ele passa pelos principais bairros negros da cidade, tendo como ponto de partida e de retorno a Escola Jefferson, um centro comunitário que, em 1926, abriu o primeiro colégio na cidade destinado a afro-americanos.

A resposta foi imediata, e o corredor recebia o apoio de homens negros, que gritavam de sua varanda “bom trabalho” e falavam “cara, não consigo fazer isso!”. “Eu sabia que era significante”, disse Jones ao jornal. “Eles não falavam ‘eu gosto muito de você’, era tipo, ‘nós vemos você, Will!’. E não apenas eles me viam, mas viam algo diferente.”

Do percurso individual acabou nascendo o grupo de corrida mais diverso da cidade, chamado Equipe de Corrida ProlyFyck –inspirado na música de Nipsey Hussle, “Victory Lap”.

Mais do que promover saúde e ser uma forma de socializar, a iniciativa ajudou a formar uma comunidade em meio a uma população que ainda sente o trauma de 2017 –uma indignação alimentada em 2020 com casos de George Floyd e Breonna Taylor, negros mortos pela polícia.

“Depois de todas as manifestações deste ano, essa comunidade procurava meios de se conectar”, afirmou Wes Bellamy, um homem negro, ex-integrante da Câmara Municipal de Charlotesville e cofundador da ProlyFyck. “Somos uma cidade que acredita no poder de trabalhar uns com os outros, de se manifestar junto e encontrar um bem maior.”

Bellamy, cliente da barbearia de Jones e chefe do departamento de política social da Universidade Estadual da Virgínia, não era um corredor, mas foi motivado pelo barbeiro, juntando-se a ele em fevereiro de 2019.

Um pouco mais tarde naquele ano, James Dowell, irmão de um funcionário de Jones, decidiu aceitar os inúmeros convites que recebia, mas recusava por não ser um corredor. E passou a ser um empolgado incentivador dos participantes.

“Eu cresci nesses bairros”, contou Dowell, que também é negro, ao New York Times. “Quando passei por esses lugares pela primeira vez, pensei comigo mesmo: quem poderia imaginar que as crianças por quem estou passando cresceriam e tentariam fazer algo positivo pela vizinhança, onde tanta negatividade está acontecendo?”

E mesmo em meio a um ano pandêmico, o grupo de corrida cresceu exponencialmente, motivado também pelo crescimento do movimento Black Lives Matter (vidas negras importam). As corridas passaram a ter 20, 30, 40 e às vezes até 50 participantes, nas sessões de segunda, quarta e sexta, às 6h.

“Todos são genuínos e estão atendendo a um mesmo propósito, que é diversificar a comunidade de uma forma diferente a que Charlottesville está acostumada”, disse Dowell.

O grupo é diverso, com negros, brancos, latinos, asiático-americanos, homens, mulheres, adolescentes, universitários, pais com carrinhos de bebê, ex-atletas universitários de meia idade e aposentados.

Diversidade esta que nem sempre é vista em corridas. Moradora de Charlotesville desde agosto de 2018 –um ano após as manifestações de supremacistas brancos–, Kat Lawrence, 28, havia começado a correr alguns anos antes, mas demorou quatro meses para começar a praticar na cidade, por medo.

Em abril de 2019, porém, decidiu participar da meia maratona anual da cidade e convidou sua mãe para torcer por ela. A matriarca brincou que não seria difícil localizá-la entre as atletas: das 536 mulheres que correram a modalidade, Lawrence disse só ter visto duas outras corredoras negras.

Foi depois desta prova que ela descobriu o grupo da Escola Jefferson e foi atrás, uma manhã, para se juntar a esses corredores. Assim que partiram, ela viu as crianças saindo de suas casas, acenando.

“Essa foi minha parte favorita –não sei se essas crianças veem pessoas que se parecem com eles correndo pela vizinhança”, disse Lawrence ao jornal americano. “Esse é um momento poderoso para todos os envolvidos.”

A troca continua após a conclusão do trajeto, quando o grupo se reúne em um círculo e as pessoas compartilham suas histórias. A maioria das corridas de sexta possui ainda um significado especial, podendo ser dedicada a alguém que morreu ou que está doente, por exemplo –a equipe já homenageou veteranos de guerra, oprimidos e, por meio de corridas temáticas, segurança para as mulheres.

“Escutamos como as pessoas estão se sentindo –elas se expressam aqui”, disse Jones ao New York Times. “Sempre abordamos isso como uma mudança cultural: Como podemos mudar a cultura da corrida nesta comunidade? Estamos impactando a vida das pessoas por meio da corrida. Mesmo quem não faz parte da equipe, que está apenas nos observando.”

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