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Com infecções em alta, Brasil chega a 200 mil mortos

O Brasil superou nesta quinta-feira, 7, a marca de 200 mil mortos pela covid-19, quando muitos já temem que possa ser o pior momento da pandemia no País. A curva de casos e mortes voltou a ser ascendente. Ao mesmo tempo em que parte da população abandonou os cuidados e se aglomerou nas festas de fim de ano, novas variantes do vírus circulam e ainda não há clareza de quando começa a vacinação.

Em quase dez meses desde que ocorreu a primeira morte pela doença, o País perdeu o equivalente às populações da cidade de Araçatuba (SP) ou de Angra dos Reis (RJ). Até ontem, foram registradas 200.163 mortes, conforme levantamento feito pelo consórcio de imprensa.

E o cenário projetado para as próximas semanas é sombrio, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Quando o País atingiu 100 mil mortos, em agosto, a média móvel de vítimas indicava lentamente um início de queda e parecia que a situação começaria a melhorar. Mas ao contrário da Europa, que teve claramente uma primeira e uma segunda onda, no Brasil o número de novas infecções e óbitos nunca arrefeceu.

A média móvel de mortes baixou da casa de mil, em meados de agosto, para pouco mais de 300 na primeira dezena de novembro, mas logo depois voltou a subir. O epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, compara como se fosse um avião arremetendo ao tentar pousar.

“Parecia que estávamos em declínio mesmo, mas não chegamos a zerar. Tivemos o impacto das eleições municipais. Os números de internações estavam claramente subindo, mas ninguém queria adotar medidas mais restritivas e impopulares. Aí veio o fim de ano. Não está todo mundo agindo como vimos nas fotos de praias e festas, mas aumentou o desrespeito. Vi casos de irresponsabilidade total, e vamos ver o resultado disso agora. A expectativa é péssima”, alerta.

Para Deisy Ventura, professora de Ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, a posição do governo federal, que desde o início deixou a pandemia correr solta no País, agora parece ter um contrapeso menor dos governos locais e de parte da população, aumentando o risco.

“O governo federal sempre atuou para que a doença seguisse seu ritmo natural, sem construir obstáculos, com a ideia de que quanto mais rapidamente se disseminasse, mais rapidamente passaria, o que é absurdo por todos os aspectos”, argumenta.”Mas havia uma certeza de que os Estados fariam tudo para evitar o colapso do sistema de saúde. Foi o modelo de 2020. Em 2021, me parece que esses freios podem não funcionar.”

No fim de dezembro, o Amazonas decidiu fechar o comércio, mas recuou após protestos. O Estado só adotou as restrições esta semana, por ordem da Justiça, para conter a alta de mortes – em Manaus o número de sepultamentos saltou 193% no último mês. Durante as festas de fim de ano, o governo paulista determinou que as cidades mantivessem só atividades essenciais, como farmácias e mercados, mas parte das cidades decidiu não cumprir a medida.

O que se viu foram praias e comércio lotados e ausência do uso de máscaras. “Vejo a população respondendo diretamente ao estímulo dado pelo governo federal quando ataca as medidas de contenção do vírus”, opina Deisy, antes de fazer uma previsão dramática para as próximas semanas: “O ano novo pode ser o pior possível. Temo que cenas que não chegamos a ver em 2020, ou vimos pouco no Brasil, se tornem comuns. Vamos ter pessoas morrendo na rua, caminhões de cadáveres, cemitérios sobrecarregados e devemos ter a tão temida sobrecarga das unidades de saúde e de leitos de UTIs. E vamos ter, com mais intensidade, a perda de pessoas próximas”.

O temor é compartilhado pela infectologista Raquel Stucchi, professora do Departamento de Clínica Médica da Unicamp. “Os números de casos e de mortes estão avançando em velocidade muito rápida e não se vislumbra mudança, as coisas vão piorar”, diz.

“Começamos errado e andamos no caminho do erro. O que faltou no nosso País desde o início foi ter uma voz única que entendesse e aceitasse o que a ciência mostrou e conduzisse o País à luz da ciência. Como não tivemos isso, vimos o uso incorreto, ou não frequente ou não exigido em muitos locais da máscara facial. Tivemos até incitação à aglomeração. Mais recentemente durante as campanhas eleitorais e as que se formaram nas festas de fim de ano”, lamenta a pesquisadora.

Bala de prata

A urgente vacinação de toda a população é vista como a única estratégia que pode começar a mudar esse cenário. Mas tampouco é uma bala de prata que vai tirar o País da pandemia de uma hora para outra, porque ainda vai levar um tempo para atingir a maioria. Enquanto isso, medidas de prevenção e de higiene precisam ser mantidas.

“Mesmo que iniciemos a campanha de vacinação, precisamos continuar alertando a população de que ainda não sabemos se a vacina nos impede de transmitir o vírus e por quanto tempo ficaremos protegidos com a vacina”, afirma Raquel. “Mesmo vacinados, temos de continuar usando máscara de forma correta sempre que sairmos de casa e evitarmos aglomerações até que tenhamos a maior parte da população vacinada”, complementa.

O atraso nas compras de vacina, insumos e no registro dos produtos, além da falta de uma coordenação nacional da logística, porém, preocupam os especialistas. “Todo esse atraso é injustificável. Com isso, governos e municípios tentam se organizar. Mas passar por cima do Plano Nacional de Imunização (PNI, do Ministério da Saúde) não é solução. Só São Paulo vacinar os paulistas, ou o Piauí se articular para também comprar a vacina não configura um programa nacional”, afirma a médica epidemiologista Maria Rita Donalísio, da Unicamp.

“O que a gente precisa, o mais breve possível, é ter cobertura ampla da população. E para isso precisamos de uma coordenação nacional de logística”, complementa. A médica lembra também que o tão falado conceito de imunidade de rebanho só é construído em cima da vacinação ampla. Se houver aglomerados de gente não vacinada, o vírus terá uma circulação maior entre eles, o que pode promover mais mutações.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) chegou a sinalizar que tenta negociar diretamente com a farmacêutica americana Pfizer, diante da falta de solução por parte do governo federal. Mas em entrevista ao Estadão, Carlos Lula, presidente do Conass, reafirmou a importância do PNI. A gestão Bolsonaro assinou um memorando para adquirir 70 milhões de doses da Pfizer em 2021, mas não concluiu o negócio. Ontem, após dados de divulgação da eficácia da aposta paulista, a Coronavac, o Ministério da Saúde anunciou que vai comprar 100 milhões de doses do imunizante.

Em nota sobre a marca de 200 mil mortes, o Ministério da Saúde, “em nome do presidente e de todo o governo federal”, disse se solidarizar “com cada família que perdeu entes queridos”. O posicionamento destoa do comportamento do presidente, que várias vezes minimizou o impacto da pandemia.

Turistas em Pipa

A pandemia do novo coronavírus parece não mais assustar os turistas que frequentam a praia de Pipa, no litoral Sul do Rio Grande do Norte. As aglomerações registradas em festas privadas de réveillon ganharam as ruas do vilarejo, um dos mais disputados destinos turísticos do Nordeste, na primeira semana do novo ano.

Sem máscaras, dividindo copos, se beijando e se abraçando, pessoas de todas as idades festejavam como se a covid-19 não estivesse contaminando mais e ampliando o número de vítimas fatais no Estado. O vai e vem indiscriminado de pessoas sem proteção individual assustou moradores da cidade de Tibau do Sul, que não conta com leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para casos mais graves.

“As aglomerações, como qualquer evento que reúne pessoas em grande quantidade, irão contribuir para facilitar o aumento da transmissibilidade e, consequentemente, o risco do aumento de casos, podendo redundar em aumento de internações e também de óbitos”, disse o secretário de Saúde, Cipriano Maia.

Carnaval

As aglomerações observadas no fim do ano, com festas e praias lotadas, já acionaram o alerta para o que pode ocorrer no carnaval. Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), afirma que os gestores estão tentando reativar as estratégias usadas no início da pandemia, além de adotar novas medidas para mitigar as complicações e reduzir as mortes pela doença.

“Sabemos que há resistência por parte da população, por causa do cansaço, estresse, isolamento prolongado, dificuldade financeira. Mas é preciso insistir nas questões básicas, como manutenção do distanciamento social, uso adequado de máscaras e hábitos de higiene das mãos”, ressalta.

Da parte do poder público, o secretário defende o fortalecimento do cuidado aos primeiros sintomas dos pacientes até a reativação dos leitos clínicos e de UTI específicos para a covid.

“Em fevereiro, mesmo com a vacinação já iniciada, pequena porcentagem da população estará imunizada, a maioria idosos e trabalhadores da saúde. Será necessário manter a orientação de distanciamento social, especialmente pelos jovens, cuja adesão está mais difícil. É importante lembrar que mesmo que o jovem tenha menor risco de evoluir com gravidade, isso pode ocorrer, fora a possibilidade de transmissão para familiares idosos ou com comorbidade”, diz.

Para Deisy Ventura, especialistas da USP, é preciso combater a apatia que se instalou na população. “Precisamos de mobilização social efetiva em prol de medidas de controle da pandemia, carreatas em favor da vacina, pressão de empresários, de setores econômicos. É isso que pode virar o jogo. Hoje o movimento político que toma iniciativa é o negacionista, é o extremista. Talvez agora a cidadania desperte. Ou seremos cúmplices de crimes contra a humanidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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