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Bem antes do ‘BBB’, primeiro reality da história fisgou os EUA e apresentou ícone gay

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Décadas antes das Kardashians sacudirem o bumbum e arrecadarem milhões com intriguinhas encenadas, houve outra família a monopolizar as atenções do público na televisão americana, a família Loud. A morte de Pat, a matriarca, neste domingo (10), de causas naturais, joga luz sobre o pioneirismo e o legado de “An American Family”, que foi ao ar no início dos anos 1970 e é tida como a primeira série de reality show da história –uma espécie de avô do “BBB”.

Lavação de roupa suja em público, rixas, torcidas por participantes e até aceno à diversidade já faziam parte do cardápio deste programa histórico, exibido na época pela PBS, a emissora pública de televisão nos Estados Unidos.

A história é a seguinte. Em 1970, o documentarista Craig Gilbert, morto no ano passado, teve a ideia de aproveitar a onda dos filmes de cinema direto, marcados pela ideia da mínima interferência do diretor sobre o que está em cena, para acompanhar a rotina de uma típica família de classe média.

Os escolhidos foram os Loud, que moravam em Santa Barbara, na Califórnia, e eram formados pelo casal Bill e Pat e seus cinco filhos adolescentes. “Eu os conheci numa quinta-feira, e eles toparam no domingo”, disse o documentarista numa entrevista ao New York Times. À mesma publicação, a matriarca Pat declarou que a ideia “parecia divertida”. “Perguntamos aos nossos filhos, e todos concordaram.”

Mas a rotina que a equipe de Gilbert captou, em mais de 300 horas de filmagens entre maio e dezembro de 1971, não foi assim tão colorida. Entre os episódios mais dramáticos estão as rusgas do casal, fustigadas pelo álcool e, quiçá, pela onipresença das câmeras. Numa das cenas, Pat revela ao irmão e à cunhada detalhes dos casos extraconjugais que ela e o marido tiveram. Os reality shows já nasceram, portanto, com as mesmas discussões que hoje os envolvem, 50 anos depois.

Em 1973, quando “An American Family” foi ao ar. em 12 capítulos de uma hora, e os Loud viraram um assunto nacional, eles passaram a atacar Gilbert, acusando-o de ter manipulado os integrantes da família e pesado na edição das cenas. O documentarista sempre negou essas acusações.

Talvez o principal evento registrado pelas lentes de Gilbert tenha sido a saída do armário de Lance Loud, o primogênito da família e, de longe, o personagem mais instigante de “An American Family”, hoje um ícone gay.

Aficionado por Andy Warhol, pelo Velvet Underground e por toda a efervescência cultural da Nova York da virada dos anos 1960 para os 1970, Lance foi de longe o mais controverso personagem do programa, mas a sua presença ali foi um divisor de águas na forma como o público americano passou a encarar a homossexualidade.

Logo no segundo episódio que foi ao ar, a equipe de Gilbert acompanha Pat em sua viagem da Califórnia até Manhattan, onde o primogênito estava morando –mais precisamente no Chelsea Hotel, icônica morada de hippies, boêmios e desbundados de toda a sorte. Lance havia se tornado amigo de Jackie Curtis e Holly Woodlawn –transformistas que eram habitués da Factory de Warhol e que são citadas em “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed.

Lance morreu em 2001, aos 50 anos, de complicações decorrentes do HIV. Seu pai, o patriarca Bill, morreu em 2018, aos 97 anos, de causas naturais. Pat, que morreu neste domingo (10), tinha 94 anos. Ainda estão vivos os quatro outros filhos da família Loud: Kevin, Grant, Delilah e Michele.

Quem tiver mais curiosidade sobre a história do programa pode assistir ao filme “Cinema Verité”, lançado em 2011, que tem Tim Robbins e Diane Lane no papel do casal Loud, e James Gandolfini como Craig Gilbert. Está disponível na HBO Go.

“An American Family” é um retrato curioso de um período bem específico da história dos Estados Unidos, então sacudidos pela Guerra do Vietnã, pela revolução sexual e pelos embates entre gerações de pais e filhos.

Mas mais importante do que isso, foi uma obra que começou como um experimento cinematográfico de vanguarda e se tornou a semente de um dos mais bem-sucedidos formatos da história da televisão.

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