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Inação do Exército deixa país sem aprimorar rastreamento de armas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A revogação de três portarias há dez meses pelo Exército impede o Brasil de aprimorar as regras de rastreamento e identificação de armas de fogo e munições. Sem as normas, o país tem lacunas no controle de artigos bélicos.

As Portarias 46, 60 e 61 foram editadas pelo Comando Logístico da corporação em março de 2020. No entanto, os textos foram revogados em abril pela Portaria 62, do próprio Exército.

Na época, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou em redes sociais que havia ordenado a anulação das normas, argumentando que elas não se adequavam a “diretrizes definidas em decretos” sobre armamento.

Uma das portarias criava o Sisnar -um sistema de rastreamento de produtos controlados pelo Exército. A segunda determinava que a arma precisa conter, por exemplo, nome do fabricante, calibre e número de série. A terceira estabelecia o controle de marcação de embalagens e cartuchos de munição.

Segundo especialistas, as portarias seriam fundamentais para o esclarecimento de crimes no país. Com essas regras, seria possível fazer um rastreamento mais minucioso e auxiliar em investigações em andamento.

Desde a decisão do Exército e de Bolsonaro, o MPF (Ministério Público Federal) e o TCU (Tribunal de Contas da União) investigam a revogação das normas.

Após o tribunal cobrar a publicação de novas regras, o Exército enviou uma manifestação no dia 31 de julho de 2020 com o compromisso de editar as portarias.

“As propostas serão levadas para autoridade competente para edição do ato normativo, o que deverá acontecer, provavelmente até o mês de novembro de 2020”, afirmou no documento o comandante logístico do Exército, general Laerte de Souza Santos. O prazo não foi cumprido até hoje, e está em atraso há três meses.

Também em julho do ano passado, o Exército requisitou ao ministro relator da representação no TCU, André Luis de Carvalho, a suspensão do processo até a publicação dos novos textos. O pedido foi negado, e o processo continua aberto.

Nessa ação, o Comando do Exército apresentou justificativas ao TCU para a revogação das portarias.

Na época, o órgão disse que poderia haver incompatibilidade entre o Sisnar e o Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), do Ministério da Justiça. Segundo o Comando, caberia ao Sinesp cuidar da rastreabilidade de armas.

Antes disso, o Exército já havia encaminhado três outras justificativas diferentes para a revogação das portarias ao MPF e ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Em nota, o Exército afirmou que em razão da publicação de quatro decretos no dia 12 de fevereiro deste ano, as portarias passarão por revisão para só depois serem editadas. Os atos de Bolsonaro facilitam a aquisição de armas e munições.

De acordo com a força, a edição “deverá ocorrer no mais curto prazo possível”.

“Cabe destacar, ainda, que quaisquer esclarecimentos solicitados pelo TCU serão prestados exclusivamente àquele órgão. Esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército brasileiro com as demais instituições da República”, afirmou.

Enquanto isso, o Brasil perde a oportunidade de melhorar o controle das armas, dizem especialistas.

“Quando abre mão dessas regras, acaba promovendo um descontrole no ciclo de vida dessas munições, favorece o crime organizado, o desvio de lotes do mercado ilegal, dificulta a capacidade de investigação criminal”, disse Ivan Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Uma das portarias estabelecia que um lote de munição poderia ter no máximo 10 mil unidades para cada código de rastreabilidade. Além disso, era permitido fracionar lotes em grupos menores, com código de rastreabilidade para cada mil unidades.

Um menor número de munição por lote torna mais fácil para a polícia fazer o rastreamento e desvendar crimes.

“O Exército prometeu que substituiria as portarias dentro daquele prazo e mais uma vez descumpre esse acordo. Está abrindo mão de sua autonomia, de colaborar com as polícias, por pressão política”, disse Felippe Angeli, gerente de advocacy (articulação social e política) do Instituto Sou da Paz.

Desde o início do governo Bolsonaro, no entanto, já foram publicados 30 atos normativos para flexibilizar o acesso a armas e munições e reduzir mecanismos de controle. Isso corresponde à média de uma regra por mês.

“Acredito ser de interesse do governo que se tenha um caos normativo. Isso dificulta a compreensão do cidadão, da imprensa e a fiscalização pelos órgãos com competência. O que está ocorrendo é um ataque à política nacional de controle de arma”, disse Angeli.

Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé, afirmou que os decretos e portarias publicados causam ainda insegurança jurídica.

“Hoje existe uma fragilidade imensa no processo de monitoramento e rastreamento. Isso coloca em risco a sociedade”, afirmou.

De acordo com Angeli, as três portarias não são as únicas revogadas que trariam mais controle de armas e munições no país.

Em 13 de julho de 2020, o Comando Logístico do Exército havia publicado a Portaria 389, que também trazia aprimoramentos quanto à marcação e rastreamento de armas da Força Nacional de Segurança Pública. “Ocorre que o Ministério da Justiça publicou uma portaria que torna sem efeito aquelas melhorias”, explicou Angeli.

Nos decretos do dia 12 deste mês, a nova leva de flexibilizações, publicada às vésperas do feriado de Carnaval, atualiza a lista de PCE (Produtos Controlados pelo Exército).

Um dos atos estabelece, por exemplo, que deixam de fazer parte dessa categoria os projéteis de munição para armas até o calibre 12,7 mm, além de armas anteriores a 1900 e acessórios como miras telescópicas, entre outros.

Além de facilitar trâmites para a aquisição, os decretos aumentam de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido que um cidadão pode comprar.

Nos casos de determinadas categorias, como policiais, magistrados, membros do Ministério Público e agentes prisionais, há ainda a autorização para a compra de duas armas de uso restrito.

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