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Quem diria que uma pessoa com deficiência seria exemplo para outra sem, afirma Daniel Dias

BRAGANÇA PAULISTA, SP (FOLHAPRESS) – Daniel Dias, 32, se prepara para dar seu último mergulho olímpico. O maior medalhista da história da natação em Paraolimpíadas (24 medalhas) se aposentará após os Jogos de Tóquio.

Dono de três prêmios Laureus, uma das principais celebrações esportivas do mundo, o nadador brasileiro quer uma despedida de gala e, por isso, escolheu o maior palco possível para um atleta.

“Sempre pensei em parar no auge, na melhor forma, parar por cima. Esse é o momento. Estarei com 33 anos, tendo alcançado todos os objetivos. Agora é encerrar o ciclo, espero que com a Paraolimpíada”, ele diz à reportagem, ainda não totalmente confiante de que o adiado evento acontecerá.

Para seu último ano, Daniel recontratou seu primeiro treinador, Igor Russi, e voltou para a piscina onde começou a treinar, em 2004, dentro de um clube de Bragança Paulista (interior de São Paulo). “Voltamos ao início de tudo”, diz Russi, a quem o nadador chama de “professor”.

Natural de Campinas, Daniel afirma que mesmo antes do adiamento dos Jogos, em razão da pandemia de Covid-19, já havia decidido se aposentar. Mas o impacto do coronavírus no seu esporte foi tremendo.

A última vez que ele competiu foi em agosto de 2019, no Mundial de Londres, quando conquistou sua 31ª medalha de ouro da carreira nessas competições. Desde então, não houve mais disputas de alto nível, e em parte do período de isolamento o nadador nem sequer teve acesso a uma piscina.

O treinador entende que a situação é ainda mais complicada uma vez que, enquanto no Brasil não há torneios para ele participar, em outros lugares do mundo eles acontecem.

Daniel admite que a preparação precária deixa os Jogos de Tóquio mais imprevisíveis do que já seriam após uma polêmica mudança nos critérios de classificação dos atletas da natação paraolímpica.

“O primeiro ponto é que nós, como atletas do movimento paraolímpico brasileiro, nunca fomos contra [as reclassificações], nem somos. Mas a mudança tinha que ser feita de maneira mais justa. O objetivo sempre foi que as classes não fossem tão complicadas, que todos compreendessem. A classificação da natação virou algo subjetivo”, critica.

Em 2018 (portanto, no meio do ciclo olímpico), o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) decidiu reavaliar todos os atletas da natação conforme sua capacidade funcional.

Os nadadores já eram analisados sob três critérios que definiam sua classificação: clínico, performance na piscina e observação durante as competições. O IPC aumentou o peso da avaliação feita em testes na água para a nota final.

O comitê entende que a alteração deixa o processo mais objetivo, mas muitos discordam e dizem que o atleta ficou mais à mercê do entendimento dos classificadores e, portanto, sujeito a subjetividades.

“[A reclassificação] me afetou muito, mas eu ainda continuo no esporte. O André, tiraram esse sonho dele… Como podemos explicar que um atleta de três Jogos Paraolímpicos e 14 medalhas hoje é inelegível? O André não é deficiente? Ele é, tem os direitos de uma pessoa deficiente, mas não de competir, não de ser atleta”, reclama Daniel Dias.

Ele se refere a André Brasil, protagonista de um dos casos mais emblemáticos e contestados de reclassificação. Antes das mudanças, o brasileiro tinha uma nota de 285 (em uma escala de 0 a 300) na pontuação dada nos testes dentro da água, exatamente o limite para ser elegível no menor nível de deficiência motora.

Após as alterações, os avaliadores entenderam que seu pé esquerdo tem movimento moderado (e não mínimo) e sua pontuação foi para 286: inelegível. Assim, o nadador carioca foi obrigado a encerrar sua carreira.

Daniel, como o próprio lembrou, não precisou deixar o esporte, mas viu seus seis recordes mundiais serem desconsiderados. “É difícil explicar”, lamenta. Ele nasceu com uma má formação congênita e não tem parte da perna direita e dos dois braços. Atualmente, compete nas categorias S5, SM5 e SB5.

Comparado a Michael Phelps, maior medalhista olímpico da história, e após somar um total de 97 medalhas de Mundiais, Pans e Olimpíadas, o campinense não foca tanto os pódios ou marcas que pode conseguir em Tóquio, mas seu legado e o futuro da natação brasileira.

“Sempre fiquei feliz de dar continuidade ao movimento paraolímpico após o Clodoaldo [Silva], aí veio o André [Brasil]… Precisamos disso. O Wendell [Belarmino Pereira] pode nos representar muito bem e dar continuidade a essa história”, diz sobre quem pode ser o próximo destaque do país.

Daniel Dias, membro do Conselho Nacional de Atletas e também do conselho de atletas do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), defende a atuação nos bastidores do esporte nacional.

No seu entendimento, a maior dificuldade hoje para uma pessoa com deficiência é encontrar um lugar para praticar esporte, em alto nível ou não.

Ele mesmo tem como clube o seu próprio instituto e é quem sustenta, com recursos próprios e permutas, seu treinador e todos os profissionais de apoio que precisa na carreira. Vivendo no interior paulista (está de mudança de Bragança para Atibaia), faz esporádicas viagens para o centro de treinamento do CPB em São Paulo para usufruir da estrutura do local.

“Isso porque ele é o melhor. Se você é o oitavo do ranking, vai ter as mesmas despesas que o Daniel. É muito amador no nosso país”, diz Igor Russi.

Daniel Dias defende que um dos próximos passos do esporte paraolímpico brasileiro seja fazer com que mais clubes, associações e empresas privadas apoiem e financiem a prática. Cita o exemplo de outra modalidade pela qual tem apreço pessoal, o futebol, como um ambiente que poderia ser protagonista nesse processo.

Fã de Kaká, ele brinca: “Fui literalmente um perna de pau. Com prótese, não era bom de bola”.

Daniel Dias acredita que o esporte, por ser uma paixão nacional, deveria ter mais preocupação com a inclusão de pessoas com deficiência. Se por um lado o Brasil foi ouro em todas as quatro disputas do futebol de 5 (para cegos) nas Paraolimpíadas, na modalidade de 7 jogadores (para quem tem paralisia cerebral) o país tem uma prata e um bronze em nove edições.

“[Espero] ajudar mais, em todo o âmbito da pessoa com deficiência, no combate ao preconceito, dando oportunidade de trabalho, porque nem todo deficiente quer ser atleta, mas por meio do esporte a gente pode alcançar coisas e mudar”, afirma.

O objetivo após deixar as piscinas é, primeiro, aproveitar mais os filhos: Asaph, Daniel e Hadassa. Depois, quer que o Instituto Daniel Dias, que completará seis anos em 2021, alce voos mais altos.

Prestes a disputar sua quarta e última Paraolimpíada, ele diz que aos 16 anos, quando começou a nadar, assistindo a Clodoaldo Silva nos Jogos Olímpicos de 2004, não conseguiria imaginar quão longe chegaria.

“Quem diria que uma pessoa com deficiência seria exemplo para pessoas sem?”, questiona.

“O esporte me deu isso, uma ferramenta de inclusão, de mostrar para crianças com deficiência e sem que somos iguais, vamos aprender a nadar, atravessar a piscina, independentemente de quem chegar na frente. Através da ferramenta esporte, quero ser referência para ajudar a sociedade a falar mais sobre igualdade”, completa.

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