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Raro julgamento de jornalista nos EUA decide sobre suposto crime cometido durante cobertura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma situação rara nos EUA, um tribunal no estado de Iowa julga uma jornalista presa durante a cobertura de um protesto por justiça racial na cidade de Des Moines, em maio do ano passado.

Naquela época, explodiam nos EUA e mundo afora manifestações antirracismo e contra a violência policial na esteira da morte de George Floyd, homem negro sufocado por um policial branco durante uma ação em Minneapolis, em 25 de maio.

Andrea Sahouri, que cobria segurança pública para o Des Moines Register, um site de notícias local, acompanhava um caótico protesto em um shopping, que acabou sendo saqueado, no dia 31 de maio.

A manifestação começou pacífica, em um parque, e foi somente quando o protesto seguiu para o estabelecimento comercial que a situação escalou. Sahouri e seu então namorado, Spenser Robnett, acabaram recebendo jatos de spray de pimenta quando a polícia esvaziava o local, sendo em seguida detidos. Eles são acusados de falha em dispersar e interferência em atos oficiais.

Em seu depoimento, segundo relatado no jornal The Washington Post, a jornalista disse ter colocado as mãos para cima e dito “sou da imprensa”, pois os policiais vinham em sua direção e ela não achou uma boa ideia correr deles. “Ele me agarrou, jogou spray de pimenta em mim e disse: ‘Não foi isso que perguntei’.”

O agente, Luke Wilson, disse que, ao chegar ao shopping, viu várias pessoas jogando objetos e disparou jatos de spray de pimenta para tentar dispersar o protesto. Ele confirmou que Sahouri foi afetada pelo spray de pimenta, mas insistiu que ela não se identificou como repórter antes da detenção e que era uma das poucas pessoas que não deixaram o local.

Segundo ele, Robnett tentou impedir que a então namorada fosse presa, puxando-a para longe de Wilson, que usou spray de pimenta também contra ele e o prendeu.

Robnett testemunhou, porém, nunca ter ouvido uma ordem para dispersar e disse que nunca puxou Sahouri para longe do policial. Colega da jornalista no Register, Katie Atkin endossou o depoimento de Robnett ao falar que também não ouviu tal ordem da polícia, nem viu qualquer interferência na detenção.

As contradições nos depoimentos de Sahouri, Robnett e Atkin poderiam em parte ser solucionadas com gravações da câmera que Wilson levava em seu uniforme, mas a polícia diz que as imagens foram deletadas. O agente disse ter esquecido de apertar o botão que salvaria o vídeo.

Ainda assim, o departamento de polícia conduz uma revisão interna independente de um vídeo de um outro policial jogando spray com químicos nos olhos de Atkin após ela ter se identificado como repórter 17 vezes em 30 segundos.

Fora isso, as autoridades têm dito muito pouco em público sobre o caso no intervalo de dez meses entre a prisão e o julgamento de Sahouri.

Ela foi uma dos 126 jornalistas presos ou detidos enquanto exerciam sua função durante a cobertura das manifestações após a morte de Floyd, segundo dados do U.S. Press Freedom Tracker. A maioria, porém, não teve as acusações finalizadas ou elas foram retiradas.

Sahouri e cerca de dez outros repórteres ainda enfrentam acusações, e a decisão do condado Polk de levar seu caso a julgamento acabou virando uma causa para defensores da liberdade de expressão.

Ainda que a Primeira Emenda da Constituição americana não dê qualquer privilégio a jornalistas para frequentar lugares que o público em geral não pode, promotores tradicionalmente não prosseguem com as acusações contra repórteres que estejam cobrindo protestos, explicou ao Washington Post David Ardia, professor de direito da Universidade da Carolina do Norte.

Ardia disse ainda que o caso é uma ruptura com “um costume reconhecido por promotores e departamentos de polícia em todo o país […] de que não é do interesse público processar jornalistas por fazerem seu trabalho”.

Na argumentação inicial, no entanto, a acusação apresentou o caso como uma questão simples, se Sahouri e Robnett acataram ou interferiram nas instruções policiais, sem citar a profissão da jornalista.

Já o advogado de defesa, Nicholas Klinefeldt, não usou meias palavras. “Esse caso é sobre uma repórter que foi presa enquanto fazia seu trabalho”, afirmou. “Ela foi agredida.”

Ambos já concluíram suas exposições do caso, e o júri deve apresentar um veredito nesta quarta-feira (10).

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