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Eleição na Groenlândia pode barrar avanço da China sobre reserva de terras-raras

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma eleição local na Groenlândia, marcada para esta terça (6), desperta a atenção dos governos de EUA, China e União Europeia, já que seu resultado pode ampliar ou barrar a influência chinesa na região.

Menos de 60 mil pessoas vivem na maior ilha do mundo, e é essa população, que não lotaria um estádio como o do Mineirão, que vai decidir nas urnas se quer seguir com dois projetos de extração das chamadas terras-raras (grupo de 17 metais abundantes na crosta terrestre, mas de obtenção difícil e cara). Um dos projetos está sendo tocado com apoio da China.

Uma área no sul da ilha concentra a maior reserva inexplorada desses materiais, segundo o Departamento Geológico dos Estados Unidos. A procura por eles tem crescido nos últimos anos, por conta da aplicação em ímãs superpotentes, que são usados em equipamentos como turbinas eólicas, motores de carros elétricos e computadores -além da indústria bélica.

Conforme EUA, Europa e China aumentam suas frotas de carros elétricos, a demanda por esses itens sobe.

“O preço do neodímio, o elemento mais usado das terras-raras, dobrou entre maio de 2020 e janeiro de 2021, mas já começou a cair”, diz Fernando Landgraf, coordenador do INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) Terras Raras e professor da USP.

Ele explica que a alta foi motivada pelo temor de um conflito entre China e EUA, que poderia fazer o país asiático limitar as exportações do produto -os chineses fornecem em torno de 90% da oferta global e teriam poder de frear a expansão de competidores em novas tecnologias simplesmente atrasando as entregas.

Há reservas de terras-raras em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil, mas sua extração é complexa. Primeiro, por gerar uma grande quantidade de rejeitos. “Geralmente, extrai-se entre 3% e 4% de material útil, e descarta-se 96% do que foi minerado”, explica Landgraf.

Outro problema: é comum encontrar terras-raras junto a materiais radioativos, o que gera preocupação de quem mora perto das futuras minas.

Um dos projetos na Groenlândia, chamado Kvanefjeld, prevê gerar 8.500 toneladas de rejeitos por dia, que serão despejados em um lago, a ser protegido por uma barragem de concreto. Só que barreiras podem ceder, como demonstram os casos brasileiros de Mariana e Brumadinho, e os 1.500 habitantes de Narsaq, que fica próxima das reservas, estão em alerta.

O Kvanefjeld pretende extrair urânio, um material radioativo, o que aumentou a preocupação local. Muitos falam em deixar a cidade caso o projeto avance. Em fevereiro, houve protestos durante uma audiência sobre o tema. Em uma reunião, moradores bateram nas janelas e colocaram música alta para atrapalhar as apresentações.

Os atos geraram uma crise política que antecipou as eleições. A Groenlândia havia ido às urnas em novembro, mas não houve consenso para formar governo. O Siumut, partido social-democrata e mais votado naquela eleição, comanda a região de forma praticamente contínua desde 1979 e apoia o avanço da mineração.

No entanto, pesquisas apontam que o partido IA, ambientalista e de esquerda, deve ser o mais votado nesta terça. A legenda se opõe ao projeto Kvanefjeld, mas é mais simpática a um outro plano de exploração, chamado Tanbreez, que não pretende retirar urânio. Ao todo, 7 partidos disputam os 31 assentos do Parlamento local.

“É preciso dizer não à mina e nos permitir desenvolver nosso país à nossa maneira. Na Groenlândia temos ar puro, vivemos em harmonia com a natureza e não vamos contaminá-la”, afirmou a parlamentar Mariane Paviasen, do IA, que mora em Narsaq, à agência de notícias AFP.

Por outro lado, o Siumut aponta que um avanço da mineração pode aumentar a arrecadação de impostos e expandir a economia local. Isso também abriria caminho para que a Groenlândia se torne um país independente, um ponto defendido pelos dois partidos. Hoje, ela é uma região semiautônoma da Dinamarca. Vem de lá cerca de um terço dos recursos para manter o governo groenlandês.

Só o Kvanefjeld renderia mais de US$ 200 milhões em royalties anuais, o que geraria um aumento de 7% do PIB da Groenlândia, de cerca de US$ 3 bilhões anuais. Hoje, a economia local depende muito da pesca, que pode ser prejudicada caso as águas sejam poluídas pela mineração.

Atualmente, o governo da Groenlândia tem autonomia para liberar projetos de extração, mas temas como relações exteriores e defesa ficam sob comando de Copenhague.

Os dois projetos em discussão na ilha são capitaneados por empresas australianas, embora a companhia que trabalha no Kvanefjeld tenha como sócia uma estatal chinesa.

A chegada de uma mineradora chinesa abre espaço para que Pequim também queira investir em outras estruturas na Groenlândia, como estradas e aeroportos. Com isso, aumentaria sua presença em um ponto estratégico entre a América do Norte e a Europa.

“Não vivemos mais em uma era colonial, em que esquadras chinesas chegariam e tomariam posse de um território. A dominação vai sendo feita aos poucos, pela ação das empresas e estratégias de soft power”, diz Leandro Consentino, professor de ciência política do Insper.

De olho nesse avanço chinês sobre as terras-raras, a gestão de Joe Biden determinou, em fevereiro, que o governo americano faça uma revisão de sua política internacional sobre a questão. O Departamento de Estado encorajou os países aliados a “rever cuidadosamente qualquer investimento” que possa dar para a China o controle sobre infraestruturas importantes ou influenciar as economias domésticas.

Em 2019, o então presidente Donald Trump disse ter interesse em comprar a Groenlândia para os Estados Unidos, mas a Dinamarca rejeitou a ideia. Apesar da recusa, Copenhague e Washington são aliados, e os americanos possuem uma base militar na ilha.

No ano passado, a União Europeia, que inclui a Dinamarca, lançou um programa para ampliar sua capacidade de extração e processamento de terras-raras, para tentar reduzir a dependência da China.

Por ser uma soma de vários elementos diferentes, as terras-raras apresentam um alto custo de separação dos metais após a mineração. “A questão é conseguir fazer isso de modo a competir com o preço chinês”, comenta Landgraf.

O professor avalia que, ainda que os projetos na Groenlândia sejam aprovados, a pressão de ambientalistas pode atrasar o início da operação das minas por anos. Com isso, o tema pode seguir influenciando a política local por bastante tempo.

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