Últimas Notícias

Adriana Varejão retrata Brasil de Bolsonaro como carne seca em Nova York

NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – A carioca Adriana Varejão chega -de máscara, claro- ao enorme espaço do bairro nova-iorquino do Chelsea, horas antes da abertura de sua primeira exposição individual na cidade como artista da galeria Gagosian.

Ela é a única artista sul-americana representada no momento pela galeria americana, pioneira da expansão internacional com 16 espaços em três continentes. Varejão explica que decidiu montar a mostra “Talavera”, em cartaz até o final de junho, num dos locais da Gagosian de Nova York que não tem divisórias, e o impacto na chegada mostra a sensatez da escolha. Nas quatro paredes, estão os quadros inspirados na cerâmica conhecida como “Talavera poblana”, que ela descobriu quando começou a visitar o México, onde depois morou, nos anos 1990.

No centro, o que muitos podem chamar de esculturas ela define como pinturas tridimensionais. “Afinal”, diz, “são todas pintadas e não apresento um pensamento escultórico”.

A exposição em Manhattan reúne obras criadas nos últimos três anos, no ateliê do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Mas se “Talavera” representa o momento da artista, reforça também a ideia de que os temas caros a Varejão estavam presentes desde que ela entrou no radar da arte contemporânea, há três décadas. A arte barroca, a herança colonial, a paródia e a hibridez estão presentes. A evolução está na linguagem.

Varejão, mais conhecida entre o público pela exploração de azulejos coloniais portugueses, conta que começou a investigar elementos de “Talavera” numa mostra da Gagosian de Roma, em 2016. Ali, expôs quadros do mesmo tamanho, ainda com referências à azulejaria barroca. Mas passou a se concentrar mais na geometria. “O que o México me traz aqui é a cor e a geometria”, ela diz.

A artista tinha um vasto arquivo da cerâmica mexicana, um projeto de colonização cultural trazido da Espanha, de Talavera de La Reina. Ela destaca que “o uso da geometria precedia a chegada do colonizador europeu”. Aponta para “Espiral”, de 2020, inspirada em motivos pré-colombianos, e para “Jaguar”, do mesmo ano, em que a figura do animal aparece em cerâmica maia.

Varejão se lembra que se encantou primeiro pelas superfícies “craqueladas” quando descobriu a cerâmica da dinastia chinesa Song, do século 11. “Eles assumiam as rachaduras, que seriam consideradas ‘erros’, e incorporaram um estilo que se baseava em forma, superfície e cor.”

Ela elaborou a técnica e foi evoluindo para superfícies mais espessas. Despejou o gesso em molduras no chão e esperou o material “craquelar”. Sete a dez dias depois, começou então a selecionar as peças da composição.

Num momento em que a noção de apropriação cultural engessa a apreciação e debates sobre arte, Varejão lembra sempre ter transitado pelo território em que usa de maneira crítica o olhar do colonizador.

“Eu nunca crio imagens, eu associo e faço paródia”, diz. Ela simula, não pinta ou reproduz fisicamente objetos como azulejos. Diz achar que o mundo já está repleto de imagens o bastante e que há muito à sua volta para trabalhar. Prefere “reescrever a história, retomar a iconografia, as tradições e trazer isso para um novo contexto”.

Além do azulejo, a simulação em “Talavera” exibe também outra imagem recorrente na obra da artista, as ruínas de charque, em que ela aborda os temas do erotismo e da decomposição. “Há 20 anos, eu pinto carne”, diz ela, destacando a presença do tema na arte barroca, “com a ferida e o que é visceral”. “Se a carne é uma tradição da arte europeia há séculos, aqui ela vem com outras camadas históricas”, acrescenta.

A história está presente em “Ruína Brasilis”, mas aqui o charque arruinado representa o Brasil de Jair Bolsonaro, onde as cores da nossa bandeira foram sequestradas pelo extremismo.

A repórter pergunta a Varejão como ela vê o esforço do governo federal de aparelhar instituições culturais, suprimir a narrativa diversa da nossa história e se ela compara o momento brasileiro ao último período de repressão organizada à liberdade artística, sob os militares.

“O problema é um plano que vem para destruir instituições de educação, cultura, ciência e também meio ambiente. Na ditadura, tivemos artistas exilados. Acho que estamos ficando parecidos com o Irã, no fundamentalismo religioso que invade a política”, diz. “Atravessamos um momento terrível e não sei quantos anos vamos precisar para nos recuperar. Fico arrepiada quando penso que este governo pode se prolongar ainda mais.”

To Top