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Biografia de Eric Hobsbawm revela traços do homem por trás do historiador

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Eric Hobsbawm, que ironia, não era um bom aluno de história quando estava na escola.

A matéria com a qual se identificaria o resto da vida, a área de conhecimento que o projetaria internacionalmente e que o levaria a conhecer o mundo inteiro só acendeu de fato sua curiosidade depois da Segunda Guerra Mundial, quando sua vida já tinha tido várias idas e vindas, e nela já se acumulavam tropeços, dificuldades, mudanças e muitas perdas pessoais.

Em “Eric Hobsbawm – Uma Vida na História”, o historiador britânico Richard Evans, de 73 anos, conta que sua infância difícil e sua instalação na Inglaterra, depois de passar pela Áustria e pela Alemanha, foram definitivas para que Hobsbawm passasse a se interessar pelo mundo.

Isso porque, na Áustria, havia tido de apoiar muito a mãe, viúva e doente, e enfrentar a precariedade econômica. Quando ela morreu, Hobsbawm vai viver com tios em Berlim, uma cidade extremamente provocadora para ele, porém já dividida entre nazistas e comunistas.

“Sua infância foi complicada, perdendo o pai e a mãe quando era adolescente. Refugiar-se nos livros era sua saída. Mas foi da mãe, que era tradutora e escritora, que ele aprendeu o gosto pela leitura, que aprendeu a escrever bem.

O profundo interesse por entender o mundo e o impulso para escrever bem moldaram de modo inconsciente o historiador, que só iria entender o método de atuar como historiador depois da guerra”, diz Evans, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, por videoconferência.

A Inglaterra pareceu, a principío, “tremendamente chata” do que a Áustra. “Mas foi dali que ele passou a enteder melhor a Europa como um todo”. Hobsbawm conta que chegou a Cambridge para estudar e se apresentou como “comunista” a uma professora. Esta teria respondido, “e você sabe o que é isso?”. Ao notar que Hobsbawm titubeava, o mandou à biblioteca. Semanas depois, ele reaparece e disse: “li bastante, sim, sou comunista”.

Para Evans, a Inglaterra, além de lhe dar dimensão da Europa, ofereceu também uma possibilidade de viajar para a América Latina, onde desenvolveu proximidade com políticos de esquerda, entrevistou trabalhadores.

“Ele era cético de uma possibilidade revolucionária na Europa, mas voltou de sua primeira viagem à região bastante esperançoso de que uma revolução pudesse ocorrer lá”, diz Evans.

No Brasil, aproximou-se de dois ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inacio Lula da Silva.

Na universidade, Hobsbawm passou a integrar um grupo de jovens historiadores britânicos que depois também se tornariam famosos, como E. P. Thompson e Christopher Hill. Também se juntou, ao lado de outros acadêmicos, ao partido comunista britânico. Uma cisão surgiu, porém, nos anos 1950, quando o então secretário do Comitê Central da União Soviética, Nikita Khrushchev, ininciou o processo de desestalinização do país, expondo ao mundo os crimes cometidos por Stálin.

Hobsbawm, diferentemente de muitos intelectuais do partido, resolveu não deixá-lo. “Seria uma traição ao que acreditava ser o instrumento para atingir seu objetivo: um mundo mais justo. Se o fizesse, estaria traindo os que queria ajudar, os camponeses, os trabalhadores. Ficou porque não achava acreditava ser a solução, mas sim porque era necessário fazer a crítica da atuação do partido e do que Stálin havia feito”, diz Evans.

Em sua casa no Norte de Londres, Hobsbawm, ao lado da mulher, Marlene Hobsbawm, viveu seus anos mais produtivos. Lançou a trilogia que inclui: “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital” e “A Era dos Impérios”.

Os livros, que foram dando-lhe conhecimento internacional, o permitiam respirar um pouco mais aliviado do que na época mais dura da Guerra Fria, quando, em busca de dinheiro, escrevia artigos sobre jazz para a BBC. Essa colaboração, depois, evolouiu para textos e entrevistas sobre outros temas, mas era preciso fugir da vigilância do serviço de inteligência britânico, que pressionava seus empregadores e lia todos os seus artigos com lupas.

“Eles gravavam nossas conversas todos os dias, eu muitas vezes senti pena da pobre pessoa que tinha de me ouvir conversando com amigas sobre como trocar fraldas quando nossa filha era pequena, comenta Marlene. Sobre seu casamento com Hobsbawm, Marlene lançou “Meet me in Buenos Aires”, um divertido livro (sem tradução ao português) que narra desde o início do romance de ambos. A referência a Buenos Aires está aí porque Hobsbwam propôs casamento a Marlene antes de viajar por meses para a América do Sul, onde eles se juntariam logo depois.

No Brasil, a fama de Hobsbawm cresceu primeiro entre acadêmicos, mas ganhou público mais amplo depois que ele visitou o país para participar da primeira edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Hobsbawm, interessado na vida da cidade, entrevistava vendedores de rua, observava os pescadores, e até provou churros e água de coco num quiosque da Praça da Matriz.

“Era um amor recíproco o de Hobsbawm e o Brasil. Muitos políticos de esquerda brasileira ainda o admiram e o reconhecem. Ele via no Brasil um potencial de mudança via esquerda da qual já estava decepcionado de que pudesse ocorrer na Inglaterra”, afirma o biógrafo.*

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ERIC HOBSBAWM – UMA VIDA NA HISTÓRIA

Preço R$ 159 (728 págs.); R$ 39.99 (e-book)

Autor Richard J. Evans

Editora Crítica

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