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Onça com apetite fotográfico mastiga e brinca com câmeras no Parque Nacional do Iguaçu

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Peter e Sapeca adoram as lentes das câmeras. Mas as peças não duram muito em suas garras.

A onça-pintada Peter, em uma manhã de janeiro deste ano, foi atraída por uma caixinha retangular próximo à base de uma árvore. Aproximou-se, investigou e começou a “brincar” com a caixa e com a câmera ali dentro –que não sobreviveria à atenção felina.

Em outro momento, agora à noite, outra presa foi localizada por Peter. Ele se jogou no chão e, com garras e dentes –que são parte da mordida mais potente entre os felinos–, arrancou do tronco da árvore mais uma câmera e a mastigou, ainda deitado.

Não satisfeito, olhou ao redor, entre as árvores do Parque Nacional do Iguaçu, maior local com uma das principais populações de onças da mata atlântica, e encontrou uma possível próxima vítima. Aproximou-se e o vídeo foi interrompido.

Já são cinco câmeras na coleção –um tanto destruída– de Peter.

Sapeca, também com apetite fílmico, se jogou no chão próximo a uma árvore com câmera e, com as grandes patas, fez um show, de barriga para cima.

“Eu nunca tinha visto esse hábito de destruir câmeras”, afirma Felipe Feliciani, analista de conservação da WWF-Brasil, que destaca a dedicação de Peter para a destruição das máquinas.

Segundo Feliciani, ao adentrar a mata para instalar armadilhas fotográficas ou trocar os cartões de memória das máquinas, os pesquisadores evitam usar cremes e perfumes exatamente para evitar ao máximo rastros de cheiros.

Não há uma explicação para o gosto dessas duas onças por câmeras, principalmente considerando que o maquinário em questão já é pensado para ser discreto, sem emissão, em geral, de brilhos ou barulhos. A ideia das câmeras é conseguir documentação de animais com o menor nível de interferência possível. Elas normalmente são ativadas por movimento em seu campo de observação e podem permanecer gravando por determinado tempo material que depois pode ser usado para estudos.

“Não é estranho registros do bicho cheirando as câmeras”, diz Feliciani. “Alguns bichos se apegam e vão até as últimas consequências.”

Cada armadilha custa em torno de R$ 2.500 e elas são colocadas em pares na floresta, segundo o especialista.

Um belo prejuízo dado por Peter, um nome, porém, com crédito de sobra. A onça foi nomeada em homenagem a Peter G. Crawshaw Jr., pesquisador referência no campo das onças-pintadas que morreu em abril deste ano devido à Covid.

A conta das armadilhas fotográficas destruídas por onças não chega perto do prejuízo que costuma ser causado por caçadores que roubam ou quebram as câmeras para, logicamente, não deixar evidências.

A caça, junto a desmatamento, atropelamentos e fragmentação de território, é uma das maiores ameaças às populações de onças da região do Iguaçu. No parque, especificamente, a caça de retaliação –a animais que, por exemplo, comeram algum animal de um rebanho criado em propriedades nos arredores– é a grande ameaça.

Um caso recente exemplifica como esse tipo de incidente pode acontecer. Em novembro, a onça Indira e seu filhote de um ano Aritana, em um exercício de caça, acabaram matando 174 dos 176 flamingos que viviam no Parque das Aves, ao lado do Parque Nacional do Iguaçu.

A boa notícia é que, a partir de um trabalho de conscientização, desenvolvido por organizações como o Projeto Onças do Iguaçu, nos inúmeros municípios e fazendas ao redor do parque, a situação dos felinos melhorou, em relação ao que era antes, quando se imaginava que a espécie seria extinta na região.

Na última segunda (29), dia internacional da onça-pintada, foi lançada a nova edição do censo bianual das onças da região do Iguaçu, feito graças às mais de 200 armadilhas fotográficas espalhadas pela área –um dos possíveis usos dessas câmeras remotas é a estimativa de população.

No lado brasileiro, estima-se uma média de 24 indivíduos. Em 2009, a estimativa era de somente 11. Considerando-se os mais de 564 mil hectares de mata mapeada, entre Brasil, Argentina e Paraguai (que pela primeira vez faz parte do monitoramento), a população de onças no local fica de 76 a 106 animais (média de 90).

Apesar de o número ser consideravelmente maior do que os primeiros registros feitos (de 30 a 54 indivíduos), ele representa uma queda em relação ao censo de 2018, que registrou de 84 a 125 espécimes (média de 105).

“Para uma população tão pequena, qualquer animal que se perca é muito ruim”, afirma Feliciani.

Segundo o especialista da WWF, a variação é pequena e não necessariamente representa uma diminuição de fato. A redução populacional só será confirmada se o próximo censo confirmar a situação e voltar a apresentar menos onças no Iguaçu. Nesse momento, considera-se que há uma estabilização da população dos animais .

De toda forma, a situação ainda está longe de ser confortável. A área do levantamento, segundo Feliciani, poderia abrigar até 250 onças. Se, de fato, ocorrer uma estabilização ou queda da população, será necessário entender o que ocorreu para o freio no crescimento.

As onças-pintadas estão na categoria de vulneráveis, de acordo com a classificação do livro vermelho de espécies ameaçadas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Mas, na mata atlântica, a situação da espécie é tida como criticamente em perigo, a classificação anterior à extinção.

Pistas Se você chegou até aqui e está se perguntando como os pesquisadores sabem que é o Peter, e não outra onça interessada em fotografia, a responsável pela destruição das câmeras, a resposta está nas pistas. Ou melhor, nas pintas.

Cada onça-pintada tem um padrão único de marcas na pele, conhecidas como rosetas (no caso das onças, as pintas são circulares e têm um ou mais pontos escuros no centro), o que facilita a identificação dos bichanos.

Vida longa ao Peter.

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