Agro

ANÁLISE-Menor uso de fertilizantes por preço alto eleva risco para segurança alimentar global

Por Emily Chow e Roberto Samora e Bernadette Christina Munthe

PEQUIM/SÃO PAULO/JACARTA (Reuters) – Importantes safras, do milho brasileiro a durians da Malásia, estão em risco depois que a oferta apertada e os preços altíssimos de fertilizantes fizeram com que os agricultores economizassem nutrientes vitais para as plantações, aumentando os temores sobre segurança alimentar global e inflação.

Os custos dos fertilizantes dispararam este ano em meio ao aumento da demanda e menor oferta, com os preços recordes do gás natural e do carvão provocando cortes na produção do setor de fertilizantes, que faz uso intensivo de energia. Ureia aumentou mais de 200% este ano, enquanto os preços de fosfato de diamônio (DAP) quase dobraram.

Com os preços globais dos alimentos em seus maiores níveis em mais de uma década, o aumento dos custos dos fertilizantes só elevará as pressões sobre a acessibilidade dos alimentos, especialmente em economias dependentes de importação, enquanto orçamentos esticados deixam pouco espaço para subsídios governamentais, disse Frederic Neumann, codiretor de pesquisa em economia asiática do HSBC.

“Em uma época em que a Covid-19 já dizimou a vida e o sustento de incontáveis ​​milhões, o aumento dos custos dos alimentos está afetando os pobres de maneira especialmente difícil”, disse ele. “Isso aumenta o risco de que os custos mais altos dos fertilizantes não atinjam apenas os agricultores, mas também sejam repassados ​​aos consumidores por meio do aumento dos preços dos alimentos.”

PIORA ANTES DE MELHORAR

Com o índice de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em seu nível mais alto desde 2011 –quando os altos preços dos alimentos ajudaram a fomentar os levantes da “Primavera Árabe”– os agricultores do mundo já estão sob pressão para aumentar o fornecimento de alimentos.

Mas analistas dizem que o aperto na oferta de fertilizantes vai piorar no início do ano que vem. Agricultores europeus, norte-americanos e do norte da Ásia precisam aumentar as compras antes do plantio na primavera, enquanto os importantes produtores China, Rússia e Egito têm restringido as exportações para garantir o abastecimento doméstico.

“Os produtores (de adubos) começam o ano novo com estoques não vendidos muito baixos e serão procurados por uma demanda global considerável no primeiro trimestre, à medida que EUA, Canadá, Brasil, Europa e Ásia avançam na compra”, disse Josh Linville, diretor de fertilizantes do StoneX Group Inc., dos Estados Unidos.

Em resposta, os agricultores em todo o mundo estão atrasando as compras ou reduzindo o uso de fertilizantes para economizar dinheiro.

Índia e Egito –importantes economias agrícolas– aumentaram os subsídios do governo em novembro, com o ministério de fertilizantes da Índia elevando o fornecimento aos distritos com baixos estoques para garantir a disponibilidade de safras plantadas no inverno.

NENHUMA CULTURA LIVRE

Até agora, os altos preços das safras amorteceram o golpe para muitos produtores, e alguns podem mudar do trigo e milho, que requerem muito nitrogênio, para soja na próxima safra.

Mas em 2022, poucas safras ou agricultores serão poupados, dizem as fontes.

Na Alemanha, os agricultores atingidos por aumentos de preços provavelmente reduzirão o uso de fertilizantes, o que pode diminuir os volumes de colheita “dependendo da escala em que isso ocorrer”, disse Bernhard Kruesken, secretário-geral da associação agrícola alemã DBV.

“Os tipos de safra que alcançaram preços mais altos ao produtor nos últimos meses serão levados em consideração para a semeadura”, acrescentou Kruesken.

O Brasil, maior produtor de soja do mundo e terceiro maior produtor de milho, alimenta 10% da população global. O país tem alertado para a escassez de fertilizantes no ano que vem, o que deve desacelerar as expansões de áreas de soja, milho e algodão.

“O que era (um aumento de preços em) rampa virou uma parede, uma subida muito forte de custos, a soja escapou um pouco disso, porque boa parte dos insumos estava comprada, mas o milho safrinha vai pegar em cheio essa subida de custos de produção dos fertilizantes”, afirmou André Pessôa, sócio da consultoria brasileira Agroconsult.

“Para a safra de verão de 22/23 diria que devemos ter alguns problemas sim, tenho até dito para os produtores que o problema já deixou de ser preço, hoje é garantia da disponibilidade.”

Mesmo na América do Norte, lar de alguns dos agricultores mais ricos do mundo, os produtores atrasaram as compras que costumam fazer antes das plantações na primavera, esperando que os preços caiam.

PEQUENOS SOFREM

Embora as condições climáticas, doenças, pragas e abastecimento de água também sejam cruciais para determinar como as safras se desenvolvem, os fertilizantes estão entre os fatores de produção mais poderosos controlados pelos agricultores.

Mas muitos produtores, e especialmente os milhões de pequenos proprietários que produzem um terço dos alimentos do mundo, terão pouca escolha a não ser reduzir o uso de fertilizantes em 2022.

No Sudeste Asiático, que produz a maior parte do óleo de palma do mundo, os produtores estão se preparando para custos de produção mais elevados, com representantes do setor já observando interrupções nas compras de fertilizantes e menores importações.

“A Malásia importa 95% de seu suprimento de fertilizantes. A produção de frutas e vegetais, incluindo durian, será mais atingida do que o óleo de palma, pois requer fertilizantes de maior qualidade”, disse Teo Tee Seng, diretor administrativo da fornecedora de agroquímicos Behn Meyer AgriCare, da Malásia.

As recentes quedas nos preços do petróleo poderiam proporcionar algum alívio aos produtores de fertilizantes, mas quaisquer choques energéticos futuros causados ​​por ondas de frio inesperadas provocariam preços mais altos dos alimentos, de acordo com um relatório da FAO em novembro.

“Precisamos entender que todas as medidas de política que aumentam os preços da energia elevarão os preços dos alimentos”, disse Josef Schmidhuber, vice-diretor da divisão de comércio e mercados da FAO. “Isso não deve significar que não enfatizemos as medidas de mitigação das mudanças climáticas, mas precisamos encontrar maneiras de aumentar a eficiência do uso de fertilizantes… e revisar criticamente nossas políticas de energia”.

(Reportagem de Emily Chow em Pequim, Roberto Samora e Brad Haynes em São Paulo, Bernadette Christina Munthe em Jacarta, Michael Hogan em Hamburgo, Chu Mei Mei em Kuala Lumpur, Helen Reid em Joanesburgo, Sarah El Safty no Cairo, Polina Devitt em Moscou, Nidhi Verma e Mayank Bhardwaj em Nova Délhi, Gus Trompiz em Paris e Julie Ingwersen em Chicago)

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