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Caso Djokovic põe novamente em destaque discurso antivacina na Sérvia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A repercussão da tentativa –até o momento– frustrada de Novak Djokovic entrar na Austrália com uma isenção médica concedida a não vacinados contra a Covid-19 foi enorme e gerou uma série de protestos na Sérvia, incentivados inclusive pela família do tenista número 1 do mundo.

Os acontecimentos recentes fizeram com que o complexo tema da política vacinal no país europeu, em evidência durante outros momentos da pandemia da Covid-19, voltasse à tona.

Logo no início das campanhas de imunização pelo mundo após a aprovação das primeiras vacinas, o país apareceu como destaque positivo.

Por causa de suas boas relações com a China e a Rússia, o governo conseguiu acesso rapidamente às doses da Sputnik V e da Sinopharm. Outros acordos, com as empresas Pfizer, Moderna e AstraZeneca, proporcionaram ainda mais doses, num total que se aproximou de 15 milhões –para uma população total de quase 7 milhões– no começo de 2021.

Com farta disponibilidade e possibilidade de escolha da vacina, o início da campanha local foi considerado um sucesso. Três meses depois, porém, os percentuais da população imunizada travaram em 40%.

Quando todos os interessados em receber suas doses o fizeram, ficou evidente que grande parte da população se recusaria a aderir à campanha.

“Eu imploro, tomem uma vacina”, chegou a declarar o presidente sérvio, Aleksandar Vucic, que ao mesmo tempo dava sinais contraditórios ao falar diretamente para os apoiadores de seu governo populista.

O país chegou a abrir as portas para estrangeiros que quisessem se vacinar em seu território, mas não conseguiu convencer muitos outros sérvios. Até hoje, os índices avançaram para apenas 47% da população totalmente imunizada.

Um problema pode estar nas teorias da conspiração. Estudo de outubro de 2020 do Biepag (Grupo Consultivo dos Bálcãs na Europa, na sigla em inglês) apontou que 41,5% dos sérvios afirmam acreditar em alguma das histórias sem embasamento científico ligadas à Covid-19.

A pesquisa também mediu, antes de as doses estarem disponíveis, a aceitação aos imunizantes. Na Sérvia, cerca de 50% dos entrevistados disseram que certamente ou provavelmente não aceitariam ser vacinados.

Segundo artigo publicado no site do instituto europeu China-CEE sobre os movimentos antivacina da Sérvia, o ministro da Saúde do país, Zlatibor Loncar, chegou a sugerir a proibição de conteúdo nas mídias sociais que prejudicasse o processo de vacinação.

“Mas é um fato que a Sérvia tem sido um foco de desinformação, alimentada por baixos níveis de confiança no governo e outras instituições contaminadas pela corrupção e pela falta de transparência”, diz o artigo.

Um estudo publicado em setembro de 2020 na revista científica Lancet mostrou que, de novembro de 2015 a dezembro de 2019, foi verificado um aumento significativo em seis países no número de entrevistados que discordam veementemente de que as vacinas em geral sejam seguras: Afeganistão, Azerbaijão, Indonésia, Nigéria, Paquistão e Sérvia.

É difícil apontar uma explicação única para a desconfiança dos sérvios. Países da mesma região têm percentuais semelhantes de suas populações totalmente vacinadas, como Croácia (53%), Montenegro (44%) e Kosovo (44%).

Uma reportagem do Balkan Investigative Reporting Network investigou um grupo denominado Patrulhas do Povo, que prega discursos anti-imigração e contra “o sistema”. Apesar de também estarem presentes em atos nas ruas, é nas redes sociais que eles fazem o maior estrago.

O texto, de setembro deste ano, aponta que um grupo público do Facebook chamado “Pare a censura”, onde circulam mensagens do mesmo teor, tem cerca de 320 mil membros, ou seja, um em cada dez usuários da rede social no país.

Curiosamente, meses antes de se deparar com o caso de Djokovic, a rede australiana ABC publicou um artigo no qual comparou os percentuais de vacinação no país e na Sérvia, na época em estágios semelhantes. Hoje, a Austrália já atingiu 77% da população totalmente imunizada.

O texto assinado pelos filósofos Nicholas Agar e Vojin Rakic, este último professor em Belgrado, aborda o que os australianos poderiam aprender com o fracasso da campanha no país europeu, após um começo animador. Também argumenta que as sementes da desconfiança e do negacionismo foram plantadas por Vucic em sua abordagem inicial da pandemia.

Em maio de 2020, o pneumologista Branimir Nestorovic, defensor de teorias e remédios médicos não convencionais e consultor do presidente, defendeu que os jovens fossem infectados deliberadamente a fim de acelerar o fim da epidemia.

“Qual é a lição aqui? O caso da Sérvia mostra que, uma vez que os líderes buscam popularidade oferecendo visões anticientíficas sobre a pandemia, pode ser especialmente difícil para eles começarem a falar com precisão. Pessoas expostas a profundas ‘verdades’ emocionalmente ressonantes ficam irritadas com mensagens factuais que as contradizem”, conclui o artigo.

Vucic se envolveu diretamente na polêmica com Djokovic. “Disse ao nosso Novak que toda a Sérvia está com ele e que estamos fazendo tudo para que o assédio ao melhor tenista do mundo acabe imediatamente”, afirmou.

A família do tenista adotou tom ainda mais inflamado, conclamando protestos e transformando a questão numa batalha geopolítica.

“Eles estão pisando em Novak para atacar a Sérvia e o povo sérvio”, disse o pai de Djokovic, Srdjan, a jornalistas em Belgrado. “Isso não tem nada a ver com esportes, é uma agenda política. Novak é o melhor jogador e o melhor atleta do mundo, mas várias centenas de milhões de ocidentais não suportam isso.”

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