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Relação entre Bolsonaro e Barra Torres foi do entrosamento inicial ao choque por vacinas

Após dois dias de silêncio, o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou ontem sobre a cobrança de retratação feita pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), almirante Antonio Barra Torres, depois de o titular do Palácio do Planalto ter levantado suspeitas contra o órgão regulador. Ao mesmo tempo em que não fez um ataque direto, evitando esticar a corda do cabo de guerra que trava com o militar, o chefe do Executivo voltou a sugerir que há irregularidades em curso na agência — justamente o motivo da resposta contundente de Barra Torres.

Em entrevista à “Jovem Pan”, Bolsonaro classificou como “agressiva” a nota pública em que o chefe da Anvisa pediu ao presidente que voltasse atrás no que dissera. O mandatário da República argumentou jamais ter insinuado que havia corrupção na agência, como disse o almirante.

— Eu me surpreendi com a carta dele (Barra Torres). Carta agressiva, não tinha motivo pra aquilo. Eu falei: “O que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?”. Ninguém acusou ninguém de corrupto, tá? E, por enquanto, eu não tenho o que fazer no tocante a isso aí — disse.

“Não acuso, mas…”

Em outra resposta, no entanto, ao tratar da possível influência política em agências, de maneira geral, Bolsonaro disse ser comum ver órgãos do gênero “criando dificuldades para vender facilidades”.

— Não quero acusar a Anvisa de absolutamente nada. Agora, que tem alguma coisa acontecendo, não tem a menor dúvida que tem. Pelo que estou sabendo agora, ela vai deliberar sobre a Coronavac para crianças a partir de 3 anos de idade. Não sei o que acontecerá no final, mas a Anvisa vai tomar sua posição e de uma forma ou de outra vai sofrer críticas também.

Barra Torres tem mandato até dezembro de 2024 e, por isso, o presidente da República não tem poder para destituí-lo. Como publicou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, ele pode no máximo contingenciar recursos da agência. Ainda segunda Lauro Jardim, desde que a guerra entre eles se tornou pública, aliados de Bolsonaro deflagraram uma caça para identificar o padrinho da nomeação do chefe da Anvisa — e concluíram que o fortalecimento do nome de Torres no início do governo está na conta do chefe de gabinete do presidente, Célio Faria Júnior.

A contenda entre Bolsonaro e Barra Torres, aliados até pouco tempo atrás, se deu depois que a Anvisa autorizou a vacinação contra a Covid-19 de crianças entre 5 a 11 anos. Na ocasião, o presidente criticou a decisão, afirmou que sua filha não se vacinaria e questionou qual seria o interesse da agência ao liberar a imunização infantil.

O contragolpe do almirante, direcionado diretamente a Bolsonaro, veio dois dias depois. Nele, o comandante da Anvisa exigiu que o presidente apresentasse provas do que insinuou e, caso não as tivesse, se retratasse.

“Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa (…) “Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”.

Alinhamento anterior

Bolsonaro nomeou Barra Torres para a diretoria da Anvisa em dezembro de 2020, sob a suspeita de que tentava militarizar a agência. Nos primeiros movimentos, os dois demonstraram entrosamento. Barra Torres chegou a participar de um ato em frente ao Palácio do Planalto no qual protocolos sanitários foram solenemente descumpridos pelo presidente. Na ocasião, servidores da Anvisa divulgaram uma nota de repúdio contra o chefe. Com a chegada das vacinas ao Brasil, contudo, a maré mudou.

Diferentes decisões tomadas pela agência em favor da liberação dos imunizantes passaram a incomodar Bolsonaro, crítico contumaz da vacinação. Barra Torres começou a se afastar e, mais recentemente, a tomar posições mais enfáticas em defesa das descobertas da ciência e do próprio trabalho do órgão que comanda. Seu depoimento à CPI da Covid, quando deixou claras as divergências com o presidente, foi considerado um desastre para o governo. Em outro momento que irritou Bolsonaro, um fiscal da agência reguladora interrompeu o jogo entre Brasil e Argentina porque jogadores argentinos não cumpriram quarentena. Na semana passada, a carta de Barra Torres levou a crise ao estopim, transformando antigos aliados em adversários públicos.

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