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‘Ondas de calor e incêndios serão grande parte do nosso futuro’, diz secretária de Calor de Atenas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eleni Myrivili gosta do calor e dos dias ensolarados. Ao mesmo tempo, acha exaustivo ter que andar por ruas muito quentes, sem árvores, sem sombras. O trabalho de Myrivili é mais ou menos esse, deixar a cidade de Atenas mais fresca e agradável.

Ela é a secretária de Calor da capital da Grécia, uma das primeiras pessoas no mundo, já impactado pelas mudanças climáticas, a ocupar um cargo como esse. Afinal, mesmo gostando de calor, tudo tem um limite.

Ou melhor, deveria ter um limite: 1,5°C de aumento, em relação ao período pré-industrial, segundo as nações do mundo acordaram (no papel, considerando que os sucessivos alertas parecem não despertar os governantes para a ação) no Acordo de Paris.

As ondas de calor pelo mundo, inclusive na Atenas de Myrivili, já são mais longas e mais fortes atualmente. “E vai piorar”, conforme nos aproximamos dos 1,5°C que parecem inevitáveis de serem superados, diz a secretária de Calor. “É uma das razões pelas quais fui nomeada.”

Ela abriu, no fim de novembro, o evento Green Nation Worldwide, focado em sustentabilidade, com uma palestra intitulada “Assim como florestas, cidades também queimam”.

Myrivili tem a missão de tornar Atenas mais resiliente às ondas de calor. Uma das preocupações são os idosos, mais vulneráveis às temperaturas elevadas. O jeito é construir ações para garantir o maior frescor possível nas casas dos mais velhos, com possibilidade até de mudança de residência.

A maior dificuldade do seu trabalho, diz Myrivili, é tornar o calor central nas discussões, não apenas um “extra” nas questões da cidade.

“Não será fácil mudar rapidamente, a tempo, a cabeça das pessoas e como as coisas são feitas”, afirma. “Nós temos que começar a nos preparar para o calor. Ondas de calor e incêndios serão uma grande parte do nosso futuro.”

Leia a seguir entrevista com a secretária.

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Pergunta – A senhora é secretária de Calor, uma das primeiras pessoas no mundo com uma posição do tipo. O que a senhora faz no seu dia a dia de trabalho?

Eleni Myrivili – Uma secretária de Calor acorda todas as manhãs e tenta pensar em como deixar a cidade melhor preparada para ondas de calor e como proteger os mais vulneráveis.

Mas ela também pensa em como tornar as cidades mais habitáveis e mais bonitas, mais interessantes para habitantes e turistas. Trazer mais natureza para ela, fazê-la mais sustentável e igualitária.

A senhora já está no cargo há alguns meses. O que já foi colocado em prática e quais os planos para controlar o calor de Atenas nos próximos anos?

EM – Um time de cientistas está trabalhando em uma metodologia específica para determinar o melhor modo de categorizar ondas de calor. Nosso plano é que este seja o primeiro verão em Atenas em que haverá nomes e categorização para ondas de calor.

Isso será realmente fantástico e faz uma diferença enorme. Cada categoria vai ter uma classificação maior ou menor de risco para as pessoas da cidade. Eu acho que vai ajudar na comunicação na mídia e também ajudará que os legisladores decidam e padronizem as formas de reação aos diferentes tipos de ondas de calor.

Também estamos envolvidos em um grande projeto para resfriar a cidade. Estamos juntando dez municípios da área metropolitana de Atenas para redesenhar áreas verdes usando água de um antigo aqueduto romano que não estávamos usando há muito tempo.

É um monumento incrível construído no ano 150. Espero que isso se torne um projeto-piloto para criar diretrizes de como construir soluções baseadas na natureza para baixar as temperaturas.

Algumas semanas após a senhora tomar posse, começaram grandes incêndios no país. Chegou a participar, de alguma forma, das ações de combate?

EM – Não estava envolvida. Estava em meu apartamento trabalhando, dando muitas entrevistas.

O fogo estava a cerca de 30 km ou 40 km da cidade. Estava extremamente quente e chovia cinzas em tudo. Não conseguíamos respirar. A cidade estava vazia e o céu vermelho. Foi horrível.

Ondas de calor não são um fenômeno tão recente na Europa. Por que só agora se pensou em um cargo como o seu e por que em Atenas?

EM – A última década foi a mais quente da história. O fato de termos tido ondas de calor antes é verdade, mas as que temos agora são muito mais longas e muito mais quentes. E isso é consequência da mudança climática.

E vai piorar. É uma das razões pelas quais fui nomeada. Os prognósticos, de acordo com o relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] de agosto, são de que não seremos capazes de nos manter abaixo de 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais, como foi o assinado no Acordo de Paris.

Em Atenas, por exemplo, cremos que até o meio do século nós teremos teremos ondas de calor mais quentes e mais longas, em até 15 ou 20 dias, no verão. Nós temos que começar a nos preparar para o calor.

Falamos de aquecimento global há décadas, mas não falamos de como proteger as cidades, que estão ficando mais e mais quentes, pela forma como foram construídas e pela quantidade de pessoas que vivem nelas. Cidades são vulneráveis. Ondas de calor e incêndios serão uma parte grande do nosso futuro e temos que nos preparar para eles.

A Grécia tem um grande número de pessoas mais velhas, algo preocupante para ondas de calor. Como vocês estão se preparando para lidar com esse problema para essa população?

EM – Você está totalmente certo, é isso mesmo. Temos que proteger os mais velhos, que são os mais vulneráveis ao calor. Nós já colocamos em curso um programa chamado Help At Home Plus.

Estamos treinando pessoas para garantir que possa haver ajuda em relação ao calor. Isso significa conferir o apartamento dos idosos e tentar ver formas de tornar o local mais fresco. Muitos desses idosos sofrem de pobreza energética, são pensionistas, e, mesmo os que têm ar-condicionado, às vezes não têm condições financeiras de ligar o aparelho.

Temos que ter certeza que estamos construindo as capacidades certas nas casas ou encontrar formas de ajudar essas pessoas a se mudar. Mulheres que moram sozinhas com crianças pequenas também precisam de suporte.

Qual é o maior desafio de uma Secretaria de Calor?

EM – Meu principal desafio é transformar em algo mainstream essas políticas que comentei, não um “extra”. Fazer com que tudo que fazemos na cidade leve em consideração temperaturas e a mudança climática.

Vai ser difícil ensinar novos truques para cachorros velhos. Não será fácil mudar rapidamente, a tempo, a cabeça das pessoas e como as coisas são feitas. Porque só temos uma década para prevenir resultados muito destrutivos da opção de deixar a mudança climática correr livre.

Algum amigo seu ou familiar, ou a senhora mesma, já sofreu algum problema por causa de ondas de calor? Quais são suas memórias em relação ao calor?

EM – Conheci pessoas que morreram por causa do calor, na Grécia e no Canadá.

O que vem na minha mente é o quão insuportável é andar sob um sol muito quente de verão. E eu gosto do calor. Prefiro o verão ao inverno, eu amo dias ensolarados. Mas é paralisante caminhar em uma rua muito quente, sem sombras, sem árvores.

Fazer os espaços abertos da cidade mais atraentes para as pessoas é parte do meu papel. Muita gente não pode sair das cidades. Quando as ondas de calor começam, as pessoas mais pobres estão presas.

Ricos podem ir para outros lugares, mas não as pessoas que vivem nos bairros pobres, que são os mais expostos ao calor, com menos árvores e infraestrutura. Precisamos garantir que essas pessoas estejam protegidas.

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RAIO-X

Eleni Myrivili

Professora na Universidade de Aegean, é conselheira sênior de resiliência e sustentabilidade de Atenas. Iniciou, em 2015, sua passagem como secretária de Resiliência da cidade grega e, em 2017, lançou a estratégia de resiliência de Atenas para 2030. Na área de sustentabilidade e adaptação, atua dentro da administração ateniense desde 2014.

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