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É difícil ter dimensão de vítimas até estar no conflito, diz enfermeiro na Ucrânia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cidadão ítalo-ucraniano, o enfermeiro Artur Struminski decidiu voltar a viver na Ucrânia, após anos na Itália, em 23 de fevereiro de 2022. Um dia antes de a Rússia invadir o país. Em Brodi, pequena cidade na região de Lviv, próximo à fronteira com a Polônia, ele ouviu, às 4h da manhã, os primeiros jatos. Na sequência, chegaram relatos de ataques a Kiev e Odessa. “Às 7h, nossa cidade era alvo de mísseis”, diz.

Ele conta que reuniu mãe, avó, tia e sobrinha e as levou direto à fronteira polonesa, onde milhares de pessoas se aglomeravam, e tiveram que esperar a pé, no frio, por mais de 30 horas. A família foi embora, mas ele, cidadão ucraniano em idade militar, não pôde deixar o país.

Com experiência em conflitos humanitários, Struminski conta que se alistou para trabalhar com a organização Médico Sem Fronteiras e foi colocado como enfermeiro em um trem adaptado com uma UTI que, ao mesmo tempo em que retirava civis de zonas de conflitos, tratava pacientes feridos. Os relatos neste texto foram feitos à organização e compartilhados com a reportagem.

“É difícil imaginar quantos civis foram vítimas deste conflito. Até você parar em um conflito armado, você não imagina quantas vítimas ele cria. Mas, viagem a viagem, você vê todas essas pessoas com ferimentos de explosões, ossos quebrados, amputações. E aí você começa a ter uma ideia da escala do sofrimento que atinge essas pessoas”, diz o enfermeiro.

Números da ONG apontam que quase metade das 653 pessoas retiradas de zonas de conflito pelo trem da entidade entre 31 de março e 6 de junho eram idosos e crianças, com ferimentos de estilhaços de explosões e a tiros, além de membros amputados.

“As feridas dos nossos pacientes e as histórias que eles contam mostram de maneira inquestionável o nível chocante de sofrimento que a violência indiscriminada desta guerra está provocando sobre civis”, diz Christopher Stokes, coordenador de emergência médica da entidade.

Stokes afirma que a organização não pode afirmar que as forças em guerra miram especificamente civis, mas que “a decisão de usar armamento pesado em massa contra áreas densamente povoadas significa que civis inescapavelmente, e portanto conscientemente, estão sendo mortos e feridos”.

A entidade elenca o que tem visto nas operações de resgate: civis que são alvos de tiros durante operações de retirada de zonas de conflito; bombardeios indiscriminados em áreas residenciais; ataques a idosos, entre outras coisas.

Segundo a organização, 11% dos pacientes atendidos tem menos de 18 anos, e 30% tem mais de 60 anos. Os números da ONG apontam que 20% dos feridos foram atingidos por tiros ou estilhaços de explosões, e mais de 10% dos pacientes perdeu um ou mais membros –o mais novo, com seis anos de idade.

Uma idosa de mais de 70 anos que pede para não ser identificada, atendida no trem hospitalar, contou que na vila em que morava em Lugansk, dos 500 moradores, restam menos de 50. Ela diz que se escondia embaixo da cama toda vez que ouvia um bombardeio, no começo da guerra. Depois, mudou-se para o porão da casa ao lado, quando os vizinhos fugiram, mas precisou deixar o marido, com deficiência física, para trás, por não conseguir carregá-lo. Outra moradora ofereceu um porão para abrigar a vizinhança, e, em 7 de maio, um bombardeio atingiu a casa dela, com sete pessoas dentro –só dois sobreviveram.

Outra paciente, uma mulher de 30 anos de Mariupol que também pede anonimato, diz que colocou avisos no carro em que estava fugindo da cidade alertando que todos os passageiros eram civis e que havia crianças no veículo. Mesmo assim, foram alvos de um ataque a tiros, que acertaram seu marido.

O enfermeiro Struminski lembra de ter atendido uma menina de 15 anos com ferimentos em larga escala de uma explosão por toda a barriga, além de estilhaços de bomba ao longo da coluna. Também cita quando atendeu a um pai que teve a perna amputada e estava com a filha, de 8 anos, que foi atingido enquanto fazia compras em um supermercado –o ataque matou a mulher do ucraniano.

“O trabalho no trem me fez apreciar a paz que eu tinha antes da guerra. Agora eu entendo o que significa um céu claro, um céu pacífico. Talvez no passado eu fosse um pouco egoísta. Eu estava pensando no meu desenvolvimento, no meu futuro. Essa experiência me ensinou que a guerra está em toda parte. Da próxima vez, você pode ser a pessoa que precisa de ajuda”, diz.

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