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Democracia é base de desenvolvimento econômico, diz líder de centro empresarial

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A democracia traz competitividade para o país. Lugares onde a democracia não é muito estável são inseguros para investimento. Então ela é um ativo.”

A afirmação é de Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade que reúne mais de 80 grupos empresariais com atuação no Brasil, e cujo faturamento equivale a 47% do PIB do país.

Entre as companhias associadas estão gigantes como Ambev, Banco do Brasil, Bradesco, BRF, Cargill, JBS, Petrobras e Vale.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Grossi comentou a atuação da organização diante das eleições e disse que o grupo deve se reunir para discutir a insistência do presidente Jair Bolsonaro (PL) em desacreditar a urna eletrônica e o processo eleitoral.

Segundo ela, não há conversa sobre a possibilidade de contestação dos resultados das urnas, mas o CEBDS quer deixar claro que o arcabouço jurídico e o respeito às leis são elementos fundamentais para a atração de investimentos e para o desenvolvimento sustentável do Brasil.

“Em todas as nossas declarações, o pressuposto é a vigência da democracia. Isso para nós é uma base sem a qual nada de resto existe”, afirma.

PERGUNTA – Em abril o CEBDS publicou uma carta aberta aos candidatos com as principais diretrizes para o próximo governo. O que deve ser prioridade?

MARINA GROSSI – A sustentabilidade entrou na agenda, agora ela é mainstream. Vemos ela como sinônimo de desenvolvimento. Esta é a terceira vez que fazemos a carta para os presidenciáveis, mas é a primeira vez que a questão do ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês) está tão forte.

Uma economia com maior prosperidade, com resiliência para as questões climáticas tem que ser vista como sinônimo de desenvolvimento. O desenvolvimento hoje é igual a uma economia de baixo carbono.

Para ver como essa questão é importante, hoje boa parte do acordo Mercosul com a União Europeia está baseado em critérios ambientais e sociais. Então o carimbo ESG está sendo cada vez mais condição para o novo normal em termos de projetos que buscam recursos. A direção inequivocamente está indo nesse sentido.

Para o Brasil, isso é uma fonte de recursos. Temos propostas muito concretas nesse sentido, como um mercado regulado de carbono, que infelizmente ainda não foi implementado.

Outra proposta é que o desmatamento ilegal zero de fato aconteça. Tivemos uma vitória da diplomacia brasileira em Glasgow de antecipar a meta brasileira para 2028. O desmatamento ilegal tem nos causado um dano enorme.

Há mais de dois anos lançamos um comunicado contra o desmatamento ilegal e falando como isso prejudica não só imagem do país, mas o ingresso de recursos para as nossas empresas e para os nossos governos estaduais e federal.

Eu também destacaria nas propostas a segurança jurídica. A segurança das nossas leis, do nosso Estado de Direito. É essa segurança que atrai investidores.

Estamos buscando justamente influenciar com propostas que possam ser escalonadas para o próximo governo. Estivemos agora com o ex-governador [Geraldo] Alckmin, foi o primeiro com quem conversamos. Temos uma gravação da senadora Simone Tebet e devemos ter uma fala logo com ela. Já convidamos os quatro primeiros colocados da lista de candidatos para que conversem conosco e ouçam essas propostas.

P.- Houve resposta do presidente Bolsonaro sobre a apresentação dessas propostas?

MG- Acho que ainda não teve resposta. Estão vendo agenda.

P.- Você falou sobre a centralidade da questão climática para o desenvolvimento da economia. Como avalia a política ambiental do governo Bolsonaro?

MG- O que temos buscado nos nossos posicionamentos é dizer que não é possível continuar com desmatamento ilegal aumentando. Deixamos isso muito claro. Não é fácil, mas precisamos combater isso.

Temos vários posicionamentos mostrando que isso tem nos atrapalhado, tem tirado recursos. Alguns CEOs associados falam que essa mácula tira o Brasil de uma conversa onde só temos vantagem. Ficamos nos defendendo de uma coisa, quando na verdade, se resolvermos a questão do desmatamento, 80% das emissões são resolvidas.

É preciso mostrar um planejamento para isso. O governo sinalizou em Glasgow que ia ser mais ambicioso. O importante é que isso seja executado. O governo prometeu, nisso teve o nosso apoio, mas ele não pode não fazer. Isso tem que acontecer, senão caímos em descrédito. Por isso estamos insistindo muito nessa carta aos presidenciáveis para que isso seja retomado com muita força. Nossa credibilidade depende muito disso.

P.- O CEBDS se posiciona ou pretende tomar alguma definição sobre qual candidato apoiar na disputa eleitoral?

MG- Não podemos, porque somos apartidários. O que defendemos é que, independentemente do governo, as empresas têm deveres fiduciários, elas vão ter que tratar disso. Desde que estejamos num regime democrático, e a pessoa seja democraticamente eleita, teremos que lidar com ela. Qualquer empresa. Por isso não podemos ser partidários, porque vamos respeitar qualquer que seja o resultado. A eleição determinando um ou outro, é com ele que vamos conversar.

Agora, seja quem for, e é o Brasil que vai decidir quem vai ser o vencedor disso, é preciso fazer essa agenda. O governante ou a governante que vencer vai ser cobrado no futuro por oportunidades que pode estar deixando passar.

P.- Diversas entidades e empresários estão assinando um manifesto pela democracia. O CEBDS assinou ou pretende assinar?

MG- Tivemos uma conversa. Em todas as nossas declarações, o pressuposto é a vigência da democracia. Isso para nós é uma base sem a qual nada de resto existe. Quando falamos em segurança jurídica, desmatamento ilegal zero, estamos pressupondo um ambiente democrático, onde todas as leis são respeitadas. Não respeitar a lei ou a insegurança jurídica não atrai investimentos.

São palavras caras ao setor empresarial: previsibilidade, marcos, diretrizes que orientem e sejam cumpridas. A democracia é um pressuposto, um fundamento de qualquer outra coisa.

Na reunião do conselho de líderes que tivemos na última quinta-feira (28), os CEOs apoiaram deixar isso muito claro na proposta aos presidenciáveis, porque é um pressuposto.

As empresas estão assinando, setorialmente ou não, mas para nós isso é um pressuposto para qualquer discussão. A democracia traz competitividade para o país. Lugares onde a democracia não é muito estável são inseguros para investimento. Então ela é um ativo.

P.- As empresas associadas têm demonstrado alguma preocupação com a insistência do presidente em desacreditar a urna eletrônica e o processo eleitoral?

MG- Vamos ter uma reunião que vai discutir exatamente isso. Mas eu posso te adiantar que, se existe o respeito jurídico como expresso em tudo que nós colocamos, sem dúvida nenhuma todos concordam que isso é um bem necessário para o ordenamento jurídico e para a previsibilidade e competitividade do país.

P.- Mas o grupo vê algum risco de contestação eleitoral?

MG- Não discutimos isso. A questão é só deixar mais claro que isso [democracia] é um pressuposto. Não houve a discussão se há risco ou não há risco. Já estamos mostrando que o arcabouço jurídico e o respeito às leis é um elemento fundamental para atração de investimento.

P.- Uma eventual contestação eleitoral impactaria o mercado e a agenda de desenvolvimento sustentável?

MG- Realmente não discutimos isso. Eu não posso como presidente do CEBDS falar alguma coisa, porque isso nem foi considerado. A democracia foi discutida, [no sentido de entender] se temos que deixar isso mais explícito, mas se existe um risco isso nem foi levantado como ponto de pauta.

Mesmo com o Alckmin, que estava lá, ele até falou que existe uma polarização e tudo, mas não houve esse clima. Ficamos tristes que a polarização não ajuda a discutir as propostas, porque fica-se o tempo todo num embate que tem pouco espaço para discutir propostas, como deveria ser.

P.- Esta é a terceira eleição que o CEBDS participa colaborando com sugestões e propostas. Você se recorda de em algum outro momento ver uma movimentação do empresariado em prol da democracia? Como o CEBDS enxerga isso?

MG- Não tratamos desse tema. Só que a democracia é um valor fundamental. Nas outras vezes isso não foi tratado.

P.- O fato de isso ser novo demonstra uma preocupação do empresariado com este tema agora?

MG- De novo, não posso falar como presidente do CEBDS. Só posso falar do que foi tratado. Não existe dúvida para nós de que é um pressuposto haver democracia para todas essas ações. É um valor universal. Obediência às leis e às regras não pode prescindir da democracia. Ela é o amparo para tudo isso.

RAIO-X

Marina Grossi, 60

Economista, é presidente do CEBDS e membro de conselhos de administração de empresas e organizações como: Neoenergia, Norte Energia, Fundo JBS Amazônia e GRI (Global Reporting Initiative). Atuou como negociadora de clima, representando o governo brasileiro em conferências internacionais, e liderou o grupo dos países em desenvolvimento (G77 + China) em 1999. Ainda junto ao governo, chefiou o setor de pesquisas em mudanças globais, como assessora do Ministério de Ciência e Tecnologia, e coordenou o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, desde a sua criação, em 2001, até 2003.

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