Últimas Notícias

Periferias têm serviço de energia de pior qualidade, mostra pesquisa. Veja os locais onde mais falta luz no Rio

mixvale

Embora o acesso à energia elétrica esteja praticamente universalizado no país, chegando a 99,8% dos lares brasileiros, indicadores de qualidade do serviço revelam que grande parte da população ainda convive com um serviço precário. A qualidade do fornecimento compreende a avaliação diversos indicadores, e principalmente as interrupções no fornecimento de luz — especialmente a duração e frequência com que as faltas acontecem.

Canais do EXTRA no WhatsApp: Assine o canal Emprego e Concursos e receba as principais notícias do dia

Os mais de 6,61 milhões de consumidores de energia elétrica do estado do Rio ficaram em média de cinco horas sem luz no ano passado, segundo dados apurados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mas há locais em que a interrupção durou ao mais de 126 horas, ou seja quase seis dias do ano sem luz, longo de 2022.

Observando dados da Aneel, EXTRA listou os locais que tiveram as durações mais longas de falta de energia, das duas principais distribuidoras do estado (veja a tabela ao lado).

O Instituto Pólis (Instituto de Estudos Formação e Assessoria em Políticas Sociais) relacionou as áreas com o maior número de interrupções e o tempo de duração às regiões periféricas e com população de mais baixa renda.

Segundo uma pesquisa da entidade, que levou em consideração dados de 2021, as interrupções em áreas de mais baixa renda são 69% mais frequentes, e são 132% mais duradouras que nas áreas de média e alta renda do Rio.

De acordo com a pesquisa, as interrupções não parecem estar relacionadas com a demanda de energia local, já que as áreas de maior consumo mensal são justamente aquelas onde as interrupções são menos numerosas e menos prolongadas, como nos bairros da Zona Sul e região litorânea da Zona Oeste.

— Quem tem a renda mais baixa e mais comprometida, paga a mesma tarifa de consumo de pessoas de renda média e alta, exceto beneficiários da tarifa social, mas acaba recebendo serviço de pior qualidade — ressalta Maria Gabriela Feitosa, assessora do Instituto Pólis.

Pela primeira vez, Anatel multa pessoa física por venda de TV Box

Moradora do bairro Santo Antônio, em Xerém, Duque de Caixas, na Baixada Fluminense, a esteticista Iara Gonçalves Nascimento, de 40 anos, sofreu com seguidas interrupções no fornecimento de energia de casa. Por pelo menos uma semana, os cortes eram frequentes e constantes, e duravam horas:

— Passamos maus momentos. Minha mãe, de 73 anos, está com a bacia fraturada, e está acamada, com uma cama ligada na tomada para mudar de posição. A luz faltou com a cama reclinada, em uma das vezes por mais de 12 horas. Estragou carne no congelador. Uma situação muito difícil.

Para especialistas, além da pobreza, outros fatores ajudam a entender as ocorrências mais frequentes nestes locais

— Há uma relação entre a incidência maior de falta de luz em bairros mais pobres, ou seja, a correlação renda per capita da região e os desligamentos. Nestes locais, a rede é mais antiga, e mais sujeita a intempéries. Em alguns locais, existem redes de distribuição muito antigas, não precisa ser vento forte, qualquer sopro a rede desliga. Além disso, são locais afastados, para chegar o reparo leva mais tempo — explica Luis Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

Mas moradores dessas regiões, além de enfrentar maior dificuldade de pagar as altas contas de luz, ainda sofrem com serviços de pior qualidade:

— A empresa de energia nunca apresentou um serviço de qualidade para a população daqui. Com as quedas frequentes e longas de energia, não temos tempo para desligar os aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos. Já perdi uma geladeira e uma TV de 50 polegadas, tudo por quedas repetidas de energia. Já tem anos que a empresa não presta um bom serviço para o bairro e mesmo para esta região. Toda vez que muda o tempo todos ficam apreensivos com a falta de luz. Pagamos nossas contas em dia e com sacrifício, mas o serviço é precário, e não há fiscalização ou perspectiva de melhoria — lamenta o comerciante Wanderley Marques, de 45 anos, morador do bairro Santo Antônio, em Xerém.

Tempo sem luz supera o limite de tolerância

Um estudo inédito, ao qual o EXTRA teve acesso com exclusividade, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), revela que no ano passado 41% dos clientes da Enel ficaram sem energia por mais tempo do que o limite de duração máxima estabelecida pela Aneel. No caso da Light, o percentual é de 20%. Mesmo com parâmetros ainda considerados elevados, a pesquisadora do programa de Energia do Idec, Priscila Arruda, considera que nos últimos 5 anos, as duas concessionárias apresentaram uma evolução na qualidade de prestação do serviço:

— No caso da Enel, em 2018, 65% dos consumidores ficaram sem luz por um tempo maior do que o limite de tolerância da Aneel. E na Light, foram 53%. Mesmo assim, conseguimos observar que locais que são afetados de formas desiguais. As regiões mais distantes, com estrutura pior, ainda sofrem mais essas violações — diz.

Os dados são parte de uma pesquisa nacional sobre a qualidade do fornecimento de energia que o Idec vai divulgar nesta semana. No estudo, o Idec comparou a evolução das concessionárias e permissionárias de distribuição de energia em todo país através dos indicadores de DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – Tempo que, em média, no período de observação, cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – Número de interrupções ocorridas, em média, no período de observação).

Na avaliação de técnicos das distribuidoras, a falta de energia não está somente relacionada à questão da pobreza, e das áreas mais periféricas das cidades com a população de mais baixa renda. Há ainda um componente técnico que influencia no tempo de respostas das concessionárias, como a distância com os núcleos de distribuição e perdas técnicas e não técnicas (como o furto) das empresas.

Mesmo assim, Joisa Dutra, diretora do FGV CERI, diz que a questão faz parte da decisão de investimento e de prioridade das empresas:

— A desigualdade na qualidade nas condições técnicas de atendimento está presente quando as empresas priorizam as regiões mais carga e maior número de consumidores pagando mais. As pessoas mais vulneráveis estão onde a infraestrutura é pior. Por isso, a regulação deve tratar dessa dimensão. Se existe uma qualidade pior, as pessoas teriam que pagar diferente, e estabelecer ainda uma relação entre a conta e a renda — defende Joisa.

Cortes por falta de pagamento

Quanto mais baixa é a renda da família mais dificuldades ela enfrenta para pagar a conta de luz e maior parte da renda ela compromete com esse gasto. Somente este ano, até setembro, 8,9 milhões de consumidores brasileiros tiveram o serviço cortado por falta de pagamento, o que representa 11% do total, segundo a Aneel.

Em 2022, quando a proibição de cortes foi extinta após a superação da fase crítica da pandemia de Covid-19, o total de cortes por inadimplência atingiu o recorde de 53 milhões de consumidores.

Os gastos com energia comprometem metade ou mais da metade da renda 46% das famílias brasileiras que têm renda média mensal de até um salário mínimo ou que pertencem à classe D/E. Para 22% dos domicílios brasileiros, a solução adotada para conseguir pagar a conta de luz em suas casas foi diminuir ou deixar de comprar alimentos básicos.

— Muitas pessoas de renda baixa não estão beneficiadas pela tarifa social. Ela é um instrumento de proteção social importante, mas é insuficiente. A gente precisa melhorar os mecanismos de regulação para promover equidade — destaca Joisa Dutra.

O que dizem as empresas

Light

A Light informou que “está focada na qualidade da prestação dos serviços nos 31 municípios em que atua, no Rio de Janeiro, e investe em equipamentos e tecnologia para a manutenção de sua rede elétrica”. Em junho, a companhia diz que registrou o melhor FEC – número de interrupções, em média, que cada consumidor sofreu – e o 7º melhor DEC – intervalo de tempo que cada consumidor, em média, ficou sem energia –, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), no comparativo com distribuidoras com mais de 1 milhão de clientes.

A Light ressaltou que registra um grande volume de ocorrências nas regiões apontadas pela reportagem em função de dois fatores. O primeiro é o furto de energia. Em locais com “gatos” de luz, os transformadores configurados e instalados para atender os clientes da companhia ficam sobrecarregados com a demanda irregular de energia provocada pelas ligações clandestinas e desligam, ocasionando interrupções.

Segundo a companhia, em junho de 2023, a Light registrou perdas com o furto de 59,85% da energia que distribui ao mercado de baixa tensão (residências e comércios). O prejuízo anual para a Light é de cerca R$ 750 milhões, valor que a empresa tem que desembolsar sem ter o retorno na tarifa de energia.

“É o caso, por exemplo, de: Posto Seis Aéreo Urbano, São Conrado Aéreo, Leme Aéreo e Eldorado e de muitas regiões de baixa renda que, além do furto de energia, ainda apresentam outro desafio: a criminalidade. Em áreas dominadas pelo poder paralelo é comum a ocorrência de equipamentos da rede elétrica alvejados por projéteis, o que ocasiona falta de luz”, diz a empresa em nota.

Além disso, informou a distribuidora, que “em função de constantes confrontos armados nestes locais, a Light também encontra dificuldade para os atendimentos, já que os profissionais à serviço da empresa só atuam quando há condições de segurança. Os conjuntos citados possuem em média mais de 88% dos clientes em área de risco” , destacou a empresa.

O segundo fator é a questão climática, com intensos temporais com forte ventania e a incidência de descargas atmosféricas causam danos à rede elétrica devido à queda de objetos galhos e árvores sobre a fiação. “Esta situação é mais crítica em regiões de floresta, ou muito arborizadas, que é o caso dos seguintes locais da lista da reportagem: Centenário Aéreo, Brisa Mar, Santa Cecília Aéreo, Eldorado, Rocha Freire Aéreo, Três Rio e Volta Redonda.

“Além da falta de energia, ocorrências desta natureza têm como consequência um atendimento mais lento e os prazos para a normalização dos serviços dependem da complexidade de cada situação. Em alguns casos, para restabelecer o fornecimento, são necessários serviços que envolvem outros órgãos, como o Corpo de Bombeiros e a Comlurb, para retirada de árvores”, ressaltou a Light.

A empresa acrescentou que “realiza manutenções constantes em sua rede elétrica e realiza podas preventivas em casos específicos, quando há impacto na qualidade do fornecimento de energia. A distribuidora não é responsável pela poda de árvores nos municípios da sua área de concessão, mas atua com objetivo em manter a segurança da rede elétrica de distribuição”.

Sobre o caso da moradora Iara Gonçalves Nascimento, a Light informa que a cliente sofreu durante todo o ano de 2023, nove interrupções no fornecimento, todas no mês de outubro, com causas relacionadas a vendaval e galho de árvores, sendo quatro delas em dia crítico. Ainda segundo a empresa, “a rede que atende a cliente encontra-se com o ciclo de manutenção aberto, com serviços já realizados e a realizar ainda em 2023. Sua residência encontra-se em um conjunto de consumidores Aneel com bom desempenho e não projeta violação dos limites anuais de duração e frequência de interrupções para 2023, sendo realizado até outubro a poda em 1.024 árvores e 175 serviços de manutenção nas linhas do conjunto”. Em relação aos dados sobre inadimplência, não podemos divulgar os números, pois a companhia está em “período de silêncio”, em função da divulgação dos resultados do terceiro trimestre de 2023

Enel

A Enel informou que, nos últimos 5 anos, investiu quase R$ 5 bilhões na área de concessão, que abrange 66 municípios do Estado, dos quais cerca de R$ 1,4 bilhão apenas em 2022. Esses investimentos foram destinados, principalmente, à digitalização da rede de distribuição com instalação de equipamentos operados remotamente, o que agiliza o tempo de restabelecimento da energia em caso de interrupções.

“Como resultado, a distribuidora tem registrado melhorias expressivas nos índices de qualidade medidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Nos últimos cinco anos, a empresa reduziu em 45% a quantidade média das interrupções de energia (FEC- Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e em 32% a duração média das interrupções (DEC – Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora)”, ressaltou a empresa.

“Essas melhorias também ocorrem nas localidades citadas pela reportagem. No entanto, cabe destacar, que os locais mencionados apresentam alta complexidade geográfica, estão situados em áreas de preservação ambiental (APA), com grande densidade de árvores ou em áreas rurais. Nessas regiões, muitas vezes os técnicos da companhia enfrentam dificuldade para deslocamento, principalmente quando há situações climáticas adversas, o que limita a agilidade do atendimento emergencial”, diz a empresa.

Segundo a Enel, na Ilha Grande, por exemplo, por estar situada em uma APA, qualquer intervenção na rede requer licença dos órgãos ambientais e há impedimento de utilização de veículos para transporte de equipamentos e materiais. A manutenção e reparo em cabos submarinos é realizada por mergulhadores que dependem de condições climáticas e marítimas favoráveis para atuar.

De acordo com a distribuidora, essas “são regiões localizadas em áreas de preservação ambiental, locais com alta densidade de vegetação e geografia acidentada (trilhas, deslizamentos), em que muitas vezes os técnicos da companhia encontram dificuldade de acesso para transporte de equipamentos e materiais, principalmente quando ocorrem situações climáticas adversas”, observa a companhia.

A Enel diz ainda que “os locais com maior duração e frequência nas interrupções de energia estão situados em áreas onde os técnicos da companhia encontram dificuldade de acesso para manutenção e atendimento emergencial (ilhas, áreas de preservação ambiental ou que apresentem risco para os técnicos da distribuidora ). A complexidade do defeito (poste tombado, árvore tombada), a densidade de vegetação e situações de impacto climático adverso também afetam o tempo das interrupções”.

To Top