BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) afirmou nesta sexta-feira (3) que a Câmara dos Deputados rompeu um acordo feito durante a discussão da reforma do Imposto de Renda. A entidade calcula uma perda anual de R$ 9,3 bilhões com o texto, acima do esperado, e declara profunda insatisfação e perplexidade com a proposta.
De acordo com a CNM, duas alterações que não estavam no acordo previamente firmado com a entidade ampliaram a perda dos municípios. São elas a redução da alíquota sobre dividendos de 20% para 15% e a permissão do desconto simplificado de 20% para pessoas de qualquer renda (na versão anterior, havia um teto de renda de R$ 40 mil por ano para obter o benefício).
Contrariando o acordo previamente firmado com o movimento municipalista, no sentido de evitar perdas para os entes federativos, o relator do PL, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cederam às pressões dos lobbies e permitiram que se aprovasse, com apoio dos partidos da base do governo e da oposição, um texto que produzirá perdas, afirma a CNM em nota assinada pelo presidente Paulo Ziulkoski.
A entidade afirma que o acordo previa limitar a perda do FPM (Fundo de Participação dos Municípios, que recebe recursos da União) a no máximo R$ 1 bilhão. Infelizmente, para nossa surpresa, esse acordo foi rasgado unilateralmente, afirma a CNM.
A CNM diz ainda que o discurso do ministro Paulo Guedes (Economia) de mais Brasil e menos Brasília parece ser mera retórica, já que a União deve ser compensada por perdas com as retiradas de benefícios fiscais de PIS e Cofins.
Diante do não-cumprimento do acordo político por parte de lideranças da Câmara, a CNM vai atuar para reverter no Senado Federal as perdas ocasionadas para os municípios e proteger a população brasileira dos potenciais prejuízos decorrentes do texto inicialmente aprovado, diz a nota.
Os estados ainda não se pronunciaram oficialmente sobre a proposta, mas calculam que terão uma perda aproximada de quase R$ 10 bilhões com o texto. Essa perda representaria basicamente o reajuste da tabela do Imposto de Renda da pessoa jurídica, o que ao menos parte dos estados vê como aceitável.
O ministro Paulo Guedes (Economia) ainda não comentou de forma detalhada o formato final da proposta, mas agradeceu à Câmara pela aprovação e disse que ainda é possível fazer “aperfeiçoamentos” no texto.
Procurados, Ministério da Economia, Lira e Sabino não se pronunciaram sobre a reclamação dos municípios até a publicação desta reportagem. A Receita Federal ainda não divulgou um cálculo oficial sobre o impacto fiscal do projeto.
O secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, afirmou nesta sexta-feira (3) que o projeto vai gerar uma perda aproximada de R$ 20 bilhões para o governo federal mas que isso é viável porque há controle de despesas por parte do governo.
É resultado de um controle do tamanho do Estado, disse Funchal durante participação em evento virtual promovido pela empresa TradersClub. É uma forma de passar esse benefício do controle, reduzindo a carga que é muito elevada, afirmou.
Apesar disso, ele reconheceu que o país ainda está em processo de melhoria nas contas públicas e que as perdas com o projeto devem ter um limite. Tem que balancear, tem um limite nessa perda. Como a gente ainda está no processo de consolidação fiscal, não tem tanto espaço assim para trazer uma redução de carga, disse.
O projeto ainda precisa ser discutido no Senado e, segundo Funchal, vai caminhar na Casa. “Acho que tem consenso em relação a isso”, disse. Já a reforma administrativa “talvez fique um pouco mais no terceiro plano”.
Funchal afirmou que os principais problemas a serem enfrentados hoje são as adequações orçamentárias para o pagamento dos precatórios e para a expansão do Bolsa Família (que mudará de nome para Auxílio Brasil).
Segundo ele, incertezas do mercado em relação a esses pontos levaram a um crescimento nas taxas de juros negociadas por investidores desde julho. Temos o desafio de lidar com as expectativas e endereçar os principais problemas os precatórios e o Auxílio Brasil. Isso é o que está mais no pipeline [realizações esperadas], diz.
Hoje, a regra do teto de gastos (que impede crescimento real das despesas) dificulta o pagamento da conta de R$ 89 bilhões em 2022 com precatórios, que são as dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça, somado com a expansão de despesas em outras frentes em ano eleitoral.
A discussão é feita depois que governo e Congresso deixaram de cortar despesas em outras frentes e o Executivo se disse surpreendido pela fatura vinda da Justiça para 2022, mesmo sob críticas de analistas que lembram que o governo tem mecanismos para mapear a chegada desses custos, como o próprio mapeamento de riscos fiscais do processo orçamentário.
O governo enviou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) no mês passado para parcelar os precatórios em até dez anos a partir de 2022. Paralelamente, uma alternativa negociada com o Judiciário nas últimas semanas cria um limite anual de pagamento de sentenças judiciais e também uma fila para os pagamentos que se estenderá ao longo dos anos.