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Paraisópolis coloca favela no mapa do e-commerce

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com mais de 1 milhão de encomendas recebidas, Paraisópolis definitivamente introduziu as favelas na rota do e-commerce no Brasil.

Segunda maior favela da cidade de São Paulo, na zona sul, a comunidade atingiu a marca histórica em julho, depois que os mais variados produtos passaram a chegar às residências da região, como na casa da universitária Jaqueline Amorim, 26, que não conteve as lágrimas ao receber sua compra feita pela internet na rua Iratinga.

“Vocês não têm noção! Desde que eu nasci, nada chegava aqui. Até quando casei, batedeira que eu comprei ou a cama que ganhei, eu tive que pagar frete para ir buscar na loja ou na Giovanni Gronchi [no Morumbi]. A gente tinha que faltar ou atrasar no serviço”, diz a moradora.

Ela é uma das presidentes de rua, como foram intituladas as lideranças locais que se organizaram para enfrentar os desafios da pandemia. Jaqueline hoje trabalha no G10 Favelas, bloco de líderes e empreendedores das favelas voltado ao desenvolvimento econômico das comunidades em que atuam.

O desbloqueio das entregas na comunidade foi realizado pela empresa de logística Favela Brasil Xpress, liderada por Givanildo Pereira Basto, 22, e Gilson Rodrigues, 37, à frente também do G10 Favelas e que puxou o movimento dos presidentes de rua, hoje também à serviço da startup.

Os dois empreendedores sociais atacaram dois grandes gargalos da logística em favelas: a falta de CEP e de um serviço que conseguisse chegar aos domicílios dos mais de 100 mil moradores da comunidade.

Em sua frente de ação, Giva, num dos picos da Covid no país, em abril de 2021, pegou uma bicicleta emprestada e pedalou 30 dias pela favela onde mora, mesmo sob febre e cansado, realizando entregas num piloto firmado com a Americanas.

De outro lado, Gilson Rodrigues mapeou, com os presidentes de rua, e firmou parceira com o Google para que ruas, vielas e cantos de Paraisópolis ganhassem o Plus Code, código de geolocalização criado pela gigante de tecnologia que batiza locais com poucos caracteres e precisão de 3 m2.

“Se você olhar no mapa da prefeitura, Paraisópolis é uma mancha. Não tem ruas. E não é assim. Existem pessoas morando aqui”, afirma o líder comunitário, apelidado de “prefeito” de Paraisópolis.

O novo CEP, com letras e números –como 97HF+MX– guiou Giva, que é formado em análise e desenvolvimento de sistemas, a montar um sistema de roteirização de entregas e rastreabilidade dos pacotes. “Na pandemia, todo mundo pedia coisas e recebia em casa. A gente não. Eu mesmo pedia livros para a faculdade e tinha que endereçar a entrega para casa de amigos de fora da favela. Aqui, não chegava. Eu queria mudar isso”, afirma Giva. E ele, que perdeu 10 kg nos testes com a bicicleta, mudou essa realidade.

Após mostrar que era possível realizar o serviço sem risco –“insegurança não se combate com segurança, e sim convivência”, diz– para entregadores e encomendas, em fevereiro deste ano, viu a iniciativa vencer o Desafio de Logística Urbana, do Consulado do Reino Unido.

Com o dinheiro da premiação e empréstimo de R$ 15 mil no G10 Bank, somados à mentoria com Guilherme Bonifacio, fundador do iFood, Giva contratou ajudante e iniciou entregas com as Americanas.

De 20 pacotes por dia, viu a operação de última milha crescer na velocidade com que atraia mais empresas –hoje são mais nove, com DHL, Total Express, Magalu, Riachuelo, Shopee, Mercado Livre, Casas Bahia, Brasileiríssimo e GFL– e 400 pessoas contratadas. Todas as mercadorias encomendadas pela internet por moradores de Paraisópolis são encaminhadas ao galpão do G10 e de lá distribuídas para o destino final.

“É um ganha-ganha para todos. O morador, por receber em casa, as empresas, porque têm sucesso na entrega, a favela, porque a mão de obra é daqui, e a FBX, por promover essa mudança”, diz Giva.

Com a base montada em Paraisópolis e impulsionada pela oração diária ao som de “A Resposta”, de Thalles Roberto”, em que o refrão diz “Eu vivo de milagres”, a Favela Brasil Xpress cumpre o que na logística se chama de last mile (última milha) com tuc-tucs, bicicletas, carros elétricos e vans, entregando objetos com até 30 kg, que vão de chaveiro de R$ 2 a celular de R$ 15 mil.

“A Americanas já tinha parceiras com o G10 e investiu neste modelo de negócio visando o impacto social, que se dá na renda do entregador, que é morador da favela e ganha bolsa de estudos, e no ambiente, já que as entregas usam veículos sustentáveis”, diz André Biselli, gerente de operações da Americanas, que já contabilizou mais de 700 mil entregas em favelas.

A renda para entregadores gira de R$ 2.500 a R$ 4.500, e Giva diz que muito ainda será feito, tanto que já levantou R$ 900 mil de capital para colocar a FBX em outras 50 favelas.

A empresa, que já cogita entregas com drones, atua hoje em Heliópolis, Cidade Júlia, Capão Redondo e Brasilândia, em SP, Rocinha e Vila Cruzeiro, no RJ.

Prestes a fazer da Favela Brasil Express a primeira empresa unicórnio de Paraisópolis, com R$ 7 milhões de faturamento, Giva diz que o sucesso dele tornou a mãe famosa.

“É que na cidade de onde eu vim, em Imaculada (PB), eu pedi para entregar cestas básicas. E todo mundo agora só na fala no filho da dona Maria. E fico feliz de retribuir o que ela, auxiliar de limpeza, fez por mim”, diz ele, que sonha em ver a FBX em 368 favelas do país em que o G10 atua e que tem em Gilson seu ídolo.

Gilson, que tem em sua sala quadros de Mandela, Martin Luther King e Juscelino Kubitschek, entre outros, destaca que o sucesso da FBX impulsiona projetos sociais na favela, já que parte do lucro da empresa financia e mantém, por exemplo, o Mãos de Maria, que distribui alimentos a famílias vulneráveis. “As doações das empresas diminuíram, mas a fome e a necessidade das pessoas, não.”

O êxito da FBX, que faz entregas de segunda a sábado, sempre no mesmo dia que os pacotes chegam à sede do G10, deve-se a sua assertividade, já que em um ano de operações tem índice de 99,9% da entregas. “Só teve uma não feita, que foi de uma máquina de cartão, que, quando fomos entregar, o moço que pediu já tinha desistido do negócio que iria abrir e mandou devolver”, diz Giva.

Além de protagonizar o podcast “Rico e bem novinho”, para incentivar jovens a empreender, e ser conhecido por ter um Fusca preto como xodó, Giva, que já tinha criado sensor de enchentes para a comunidade, quebra a cabeça para fazer o movimento reverso na logística.

“Eu sei que tudo o que chega é dinheiro que sai da favela. Eu ainda vou entregar os produtos feitos na favela, para o lucro ficar por aqui.”

Para isso, tanto quanto expandir a FBX e atrair mais empresas, o empreendedor social trabalha num marketplace em que 14 mil pontos comerciais da favela poderão anunciar seus produtos, que poderão ser entregues em qualquer ponto da cidade com a FBX.

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