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Disputar com Evo é como jogar futebol num campo inclinado, diz candidato opositor

LA PAZ, BOLÍVIA (FOLHAPRESS) – “Vou votar nele, mas tenho uma pergunta. A senhora pode fazer para mim?”, diz à Folha de S.Paulo o motorista de táxi Edwin Ynclan, 52, que levou a reportagem até o comitê de campanha de Carlos Mesa, 66, candidato à presidência da Bolívia.

“Quero saber se ele teria força para resistir e não renunciar, como fez em 2005.”

A dúvida do motorista é compartilhada por muitos dos eleitores que não querem votar em Evo Morales para um quarto mandato consecutivo na eleição de 20 de outubro.

A Folha ouviu de muitos bolivianos a mesma pergunta. Gostam do candidato de centro, mas condenam a decisão de ter abandonado o cargo enquanto o país passava por uma situação delicada.

Mesa é uma figura popular na Bolívia. Ex-jornalista, documentarista, historiador, autor de diversos livros, teve média de 62% de popularidade quando governou o país (2003-2005), mesmo em situação instável.

As condições para governar não eram as melhores.

Então vice do empresário liberal Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-1997 e 2002-2003), Mesa assumiu depois de um enfrentamento entre forças de segurança e grupos de trabalhadores organizados que causou mais de 70 mortes e a queda do presidente à época.

Embora tenha alcançado avanços em outras áreas, Mesa não conseguiu diminuir o atrito com os sindicatos. Foi nesse cenário de distúrbios sociais que o então sindicalista cocaleiro indígena Evo Morales começou a se projetar.

Confira a entrevista:

Folha de S.Paulo – Muita gente diz que gostaria de votar no sr., mas teme uma nova renúncia em caso de crise social e política. Qual sua resposta?

É a dúvida que mais ouço e a qual estamos tentando dissipar na campanha.

É preciso entender o contexto da minha renúncia. Assumi em condições extremamente adversas, com meu antecessor tendo de sair porque o conflito social estava descontrolado, e ele vinha respondendo com mais violência.

Eu era o vice, mas de um partido diferente. Portanto, tinha zero parlamentares. Estava com as mãos amarradas.

Responderia isso ao motorista que a trouxe, e estou respondendo isso a todos os eleitores. Meu partido [Comunidade Cidadã] está se preparando para fazer uma boa eleição também para o Congresso.

Também estou estreitando vínculos com sindicatos antes alinhados a Morales e que agora estão descontentes com ele. Outra coisa que não ocorreria é a resposta tão agressiva que o meu antecessor deu aos movimentos sociais, causando tantas mortes. Agirei sempre dentro da lei.

– Como o sr. vê o cenário para 20 de outubro?

O panorama é complicado, porque estamos disputando uma eleição desequilibrada. É como se estivéssemos jogando com o campo de futebol inclinado.

Morales está fazendo uso irrestrito dos meios de comunicação, e a Justiça está cooptada por ele, tanto que aceitou que ele fosse candidato, contra o que diz a Constituição.

O que estamos vendo é uma fraude em desenvolvimento. Ela está acontecendo a partir do momento em que o governo resolveu violar a lei para inscrever a candidatura ilegal de Morales.

Além disso, ele tem os meios de comunicação públicos, que divulgam propaganda eleitoral disfarçada de propaganda de governo.

– Mas o sr. vê chances?

Cada hora as pesquisas dizem uma coisa. Os meios governistas falam de uma diferença muito grande, mas nas nossas pesquisas temos uma diferença de 4 a 7 pontos, e com grande número de indecisos. Creio que seja uma eleição em aberto.

Mas chamo a atenção para uma coisa. Em 2014, Morales ganhou com 63% dos votos. Agora, as pesquisas mais otimistas dão 38% para ele. Isso é o efeito da derrota no referendo de 2016, que colocou parte do eleitorado contra ele. Creio que seja possível levar o pleito a um segundo turno.

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– Por que a comunidade e os órgãos internacionais não reagiram publicamente a essa quarta candidatura de Evo?

É uma boa pergunta. Luis Almagro (secretário-geral da OEA), que sempre é coerente no modo como ataca o regime de [Nicolás] Maduro na Venezuela, mudou de opinião sobre a Bolívia.

Primeiro, disse que Morales deveria aceitar o resultado do referendo. Há poucos meses, porém, esteve em La Paz e disse que a candidatura era legal.

Creio que essa ilegalidade não está causando tanta repercussão porque a Venezuela já é um tema bastante pesado para se preocupar na região.

E a Bolívia não está na mesma situação que a Venezuela. Aqui não há crise humanitária, e há crescimento econômico.

Também creio que há benevolência pelo fato de Morales ser o primeiro presidente indígena. É um erro.

Parece-me bom que a Bolívia tenha um presidente indígena, mas eu não o julgo por ser indígena e sim pelo respeito que deveria ter pelos valores democráticos.

– Se o sr. chegar à Presidência, qual seria sua prioridade?

Nós não temos um problema econômico dramático imediato, como tem a Argentina. Nossa prioridade seria reconstruir nossa democracia e nossas instituições, que agora se resumem a uma pessoa.

Temos uma Justiça corrupta e tomada por membros do MAS [Movimento ao Socialismo, de Evo Morales]. Além de corruptos, os nossos juízes têm incapacidade técnica e jurídica de cuidar dos casos.

– E na economia?

Não vamos poder nos desprender de um dia para o outro do gás e da exportação deste ao Brasil e à Argentina.

Além disso, temos de pensar num país com produção mais diversificada para exportação, investir em serviços, comércio e turismo. Precisamos diminuir a informalidade do mercado de trabalho, que é de 60%, e isso só se faz reduzindo a pressão dos impostos.

– Qual sua posição em relação à Venezuela?

Considero a última eleição de Nicolás Maduro ilegítima. É um ditador e é preciso promover com outros países uma mudança que leve à redemocratização do país. Se for eleito, nos juntaríamos ao Grupo de Lima e respaldaríamos Juan Guaidó.

– Como o sr. vê o presidente Bolsonaro?

Creio que cada país deve se mover de acordo com seus interesses e ser respeitoso com os outros países. Isso se aplica a Bolsonaro.

– A Bolívia é campeã na América do Sul em violência contra a mulher. Como mudar isso?

Nós temos boas leis de proteção à mulher, mas faltam educação, mudança de cultura e algumas medidas. Primeiro, proporia salários e direitos iguais, como a licença-paternidade igual à de maternidade.

Assim, elimina-se o problema de um empresário preferir contratar um homem porque este não vai se afastar devido a uma gravidez, e o conscientiza de que deve cuidar do filho também.

Há um problema cultural hoje em dia que é essa onda de afirmar que há uma “ideologia de gênero” na educação sexual, e que por isso ela tem de ser eliminada. Sou contrário, é preciso mais educação sexual.

Temos o feminicídio tipificado como delito grave, porém nossos delegados, nossa polícia e nossos juízes ainda agem sob a lógica machista, então isso atrapalha desde a tomada de um depoimento até a decisão final da Justiça.