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Deputado que intermediou acordo de cargos entre centrão e Bolsonaro é alvo da PF

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um dos integrantes do centrão responsáveis por negociar cargos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em troca de apoio político, o deputado federal Sebastião Oliveira (PP-PE) foi alvo nesta sexta-feira (8) de uma operação da Polícia Federal contra desvio de recursos em obras na BR-101.
Oliveira foi secretário de Transportes em Pernambuco. Embora seja filiado ao PP, ele comanda extraoficialmente o Avante em Pernambuco.
Ele é o padrinho da indicação de Fernando Marcondes de Araújo Leão como diretor-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), nomeação publicada no “Diário Oficial” de quarta-feira (6), com intermediação do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão na Câmara.
O Dnocs, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, tem orçamento de aproximadamente R$ 1 bilhão para o ano de 2020 e é responsável pela construção de barragens e açudes nas regiões áridas do país. Tem forte caráter assistencial no interior do Nordeste.
Gigantes do chamado centrão, como PP, PL e Republicanos, estão gerenciando a distribuição de cargos do governo federal para atrair partidos menores para a base de apoio de Bolsonaro no Congresso.
Nesta sexta-feira, os policiais federais cumpriram ordens de busca e apreensão em endereços do congressista em Brasília e no Recife, segundo confirmou um investigador à Folha.
Após a ação ser deflagrada, o novo diretor-geral da PF, Rolando de Souza, foi ao Planalto. O presidente é investigado no Supremo Tribunal Federal por possível tentativa de interferência indevida na corporação. As suspeitas foram lançadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao deixar o cargo.
A PF cumpriu nove mandados de busca e apreensão, além de dois de prisão temporárias, expedidos pela Justiça Federal em Pernambuco, na segunda fase da operação Outline. Oliveira tem foro especial perante o Supremo, mas os fatos investigados são anteriores ao seu mandato. Também houve quebras de sigilos bancário e fiscal, além de sequestro de bens.
O inquérito sobre o caso mira os serviços de requalificação da BR-101 no trecho do Contorno Viário da Região Metropolitana do Recife, orçados em R$ 190 milhões, a maior parte bancada pelo governo federal. A execução está a cargo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de Pernambuco.
As investigações apontam que parte das intervenções foi feita em desconformidade com as especificações técnicas, instruções e normas adotadas pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o que pode causar a diminuição da vida útil e da segurança da obra.
“As apurações indicaram que esses serviços foram atestados por servidor do DER, em princípio, sem respaldo de documentos que comprovassem o atendimento aos requisitos técnicos do projeto de engenharia”, informou o MPF (Ministério Público Federal) em Pernambuco.
Eleito com a promessa de acabar com o que chama de “velha política”, moldada no toma lá dá cá, o presidente iniciou nas últimas semanas negociações com o novo centrão.
O “toma lá” são os vários cargos de segundo e terceiro escalão da máquina federal, postos cobiçados por caciques partidários para manter seu grau de influência em Brasília e nos estados. O “dá cá” é uma base de apoio mínima no Congresso para, mais do que aprovar projetos de seu interesse, evitar a abertura de um possível processo de impeachment.
Para se ver fora da cadeira presidencial, Bolsonaro precisa ter ao menos 342 dos 513 deputados contra ele e um clima propício à destituição -economia em frangalhos, tensão nas ruas, por exemplo.
Líderes de partidos do chamado centrão afirmam que Bolsonaro enquadrou ministros que resistiam em ceder cargos de suas pastas ao grupo, deixando claro que quem se opuser pode ser demitido do governo.
Segundo relato desses parlamentares, a atitude de Bolsonaro se deu em dois atos: primeiro, forçou a demissão de Sergio Moro (Justiça), que no começo da gestão chegou a ser considerado “indemissível”, justamente em um contexto de que tem a palavra final sobre cargos-chave.
Antes da exoneração, ele havia deixado claro em reunião com todos os ministros que a prerrogativa de fazer nomeações no governo era dele.
Depois, reafirmou a quem ficou, em encontros coletivos e a sós, que ele irá distribuir postos de segundo e terceiro escalão ao centrão e que não aceitará recusas. A conduta do presidente foi confirmada por integrantes do governo à Folha de S.Paulo.
Símbolo dessa aproximação de Bolsonaro com o chamado centrão, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) é apontado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como um dos órgãos do governo federal mais suscetíveis ao risco de fraude e corrupção.
Como mostrou a Folha nesta sexta-feira, a avaliação foi feita em auditoria de 2018 do tribunal, divulgada no mês seguinte à eleição de Bolsonaro à Presidência. As conclusões do trabalho foram encaminhadas à época ao Palácio do Planalto e também à equipe de transição do governo federal.
Com um orçamento de aproximadamente R$ 1 bilhão para o ano de 2020 e com foco em obras de combate aos efeitos da seca, o órgão teve apontadas fragilidades “muito altas” em todos os quesitos apurados: na prevenção de fraudes e corrupção, na gestão de ética e integridade, na transparência, no controle e também na designação de seus dirigentes.
“Espera-se que esse trabalho sirva para a implementação de melhorias nos mecanismos de controle das instituições do Poder Executivo Federal, em especial nas práticas preventivas e detectivas de fraude e corrupção”, disse o TCU, em nota, na época.
Questionado agora pela reportagem, o Dnocs -que é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional– afirmou que vem trabalhando no fortalecimento de seu sistema de governança por meio de normas e da criação de instâncias relacionadas ao tema.

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