‘A Gaiola’ retrata espírito revolucionário de juventude mexicana na década de 1960

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Três personagens estão confinados na cela de isolamento de uma prisão. Uma cela de castigo. Ou seja, uma prisão dentro da prisão. Três personagens desesperançados em obter a liberdade e vivendo no limite do desespero. Assim estão Caralho, Albino e Polonio, os protagonistas de “A Gaiola”, dando voltas em sua própria desgraça.
O único contato que têm com o lado de fora é um buraco em que é preciso meter a cabeça de um só lado, ou seja, só se pode enxergar com um olho. E a cabeça ali, descolada do corpo, lembra a passagem bíblica do martírio de São João Batista, com sua cabeça servida numa bandeja.
Criar esse universo, pelo visto, também foi uma experiência de desespero. Seu autor, o mexicano José Revueltas, concebeu o livro quando esteve preso na famosa e imponente penitenciária de Lecumberri, na Cidade do México. Construída na forma de um panóptico, em que, desde uma torre central era possível ver o interior de todas as celas, ficou conhecida por enlouquecer vários de seus prisioneiros.
Ali Revueltas ficou encerrado entre 1968 e 1971, após ser condenado por conspirar e instigar estudantes envolvidos em manifestações que foram reprimidas, no famoso Massacre de Tlatelolco.
Ocorrido às vésperas das Jogos Olímpicos na Cidade do México, o episódio é um dos mais importantes marcos da história mexicana do século 20. Imbuídos do espírito revolucionário dos estudantes franceses do Maio de 1968, no mesmo ano, os jovens mexicanos saíram a protestar e foram brutalmente reprimidos pelo governo.
O episódio ganhou visibilidade internacional e houve repúdio de intelectuais em todo o mundo. Jean-Paul Sartre chegou a escrever ao presidente do país, Gustavo Díaz Ordaz, em tom de indignação. Díaz Ordaz ficaria marcado por isso, e mancharia também a imagem doPartido Revolucionário Institucional (PRI ), que governou o país por 70 anos.
O romance discorre numa narrativa algo barroca e bem trabalhada, embora provoque a sensação de ter sido escrita num transe delirante do autor. Com seus longos parágrafos com pouca pontuação, parece não querer deixar que o leitor respire. A claustrofobia da cela dentro da cela, ou da gaiola, é outro sentimento do autor que é imposto ao leitor.
O personagem mais extremo é Caralho, um sujeito que não enxerga de um olho, que apanha e que tenta cortar-se, além de soltar seus gritos uivantes de tempos em tempos. É filho de uma mulher que se envergonha de sua existência, que o visita mas o deplora.
Polonio e Albino estão desesperados para conseguir algo de droga, e colocam suas namoradas, que estão do lado de fora, nessa missão. Surgem essas duas personagens esquisitas, oportunistas e maliciosas, são Mecha e Chata.
Como passam por revistas íntimas ao visitar os parceiros, nas quais são tocadas de modo pouco apropriado, elas tentam convencer a mãe do Caralho, por ser mais velha e pouco atraente, a levar escondida a droga em sua vagina. Aí parece cumprir-se sua desgraça: deu luz a um ser aberrante e agora, pela mesma via, leva drogas. Ao mesmo tempo, surge também como redenção dos prisioneiros, oferecendo um alívio para seu desespero ou até uma forma de saída de sua situação.

A GAIOLA
Preço: R$ 42 (64 págs.)
Autor: José Revueltas
Editora: Editora 34
Tradução: Samuel Titán Jr.