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‘Os Árabes’ assenta base sólida para entusiastas sobre Oriente Médio

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Em 24 de agosto de 1516, o sultão mameluco Qansuh inspeciona seu exército nas aforas de Aleppo, na atual Síria. Veste um turbante leve e um manto azul, o machado pousado nos ombros. Mais tarde, vê suas tropas sendo dizimadas pelas armas de fogo das hordas otomanas. Tamanho é o horror do sultão que metade do seu corpo fica paralisada. Ele cai do cavalo, morto, na poeira.

É a cena que abre o livro “Os Árabes: Uma História”, do americano Eugene Rogan, professor de Oxford. O volume chegou por fim ao Brasil em uma edição do selo Zahar. Apesar de ser uma das obras de referência sobre o Oriente Médio, esse texto de 2009 ainda era inédito por estas bandas -o que deixava aberta uma lacuna para os pesquisadores e estudantes que não leem em inglês.

Até então, a melhor opção em português era “Uma História dos Povos Árabes”, do britânico-libanês Albert Hourani, lançado no Brasil pela Companhia das Letras. Não há nada de errado com a obra magistral de Hourani, que foi aliás mentor de Rogan. Mas é um livro de 1991, mais datado. É também de leitura mais densa, o que afasta leitores.

Hourani, além disso, descreve a história dos árabes desde o surgimento do islã no século 7. Tem, assim, de condensar bastante informação para narrar séculos e séculos dentro de um único livro. Rogan, por outro lado, começa “Os Árabes” bem mais tarde, com a derrota de Qansuh em 1516. Esse enfoque permite que ele descreva com mais textura alguns dos episódios-chave da era moderna.

A queda do sultão mameluco é o ponto de partida de Rogan porque marca a consolidação do Império Otomano. A tomada da Síria em 1516 permitiu que os otomanos, baseados em Istambul, governassem o Oriente Médio por quatro séculos, até sua derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Hoje, o que sobrou do império é conhecido como Turquia. Quando sírios e libaneses imigraram em massa para o Brasil a partir de 1870, muitos deles carregavam justamente passaportes otomanos –razão pela qual foram apelidados de “turcos” por aqui.

O recorte de Rogan muda o tom da história que ele conta. Obras como a de Hourani tendem a se perder nas minúcias dos primeiros séculos do islã, retratando aquele período como uma era de ouro nunca superada. Essas narrativas acabam reforçando o estereótipo de que a conquista otomana levou a uma era de trevas nos territórios de cultura árabe.

Nas últimas décadas, historiadores têm contestado esse tipo de visão simplista, anti-otomana, típica do nacionalismo árabe. Como o leitor de “Os Árabes” vai notar, a história otomana do Oriente Médio é saborosíssima, incluindo personagens como o corsário Barbarossa, o príncipe Fakhr al-Din e o governador Muhammad Ali. É uma história poderosa, também, de um império que rivalizou com a Europa Ocidental e por vezes a superou.

Na primeira porção do livro, Rogan descreve a ascensão, consolidação e derrota do Império Otomano com detalhes inesperados e análise arguta. Um de seus trunfos é a escolha de suas fontes, dando prioridade à voz de quem viveu a história. Ele cita, por exemplo, os diários de um barbeiro de Damasco em seu capítulo sobre as revoltas do século 18. É pela voz do barbeiro, mais do que pela de Rogan, que o leitor mergulha naqueles anos.

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No restante da obra, o historiador trata dos impérios europeus que controlaram o Oriente Médio depois da derrota otomana. Fala também da criação do Estado de Israel, da descoberta do petróleo e da Guerra Fria. O último capítulo avança no século 21, tocando em temas como islamismo, extremismo e –na edição atualizada– os protestos de 2011, conhecidos como Primavera Árabe.

A publicação de “Os Árabes” não vai resolver a carência de obras em português sobre o Oriente Médio. O livro, no entanto, já assenta uma base sólida para os entusiastas. Deveria entrar para a lista de leituras obrigatórias dos cursos universitários sobre o tema.

OS ÁRABES

Preço: R$ 139,90

Autor: Eugene Rogan (Tradução Marlene Suano)

Editora: Zahar

Págs.: 792