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Carnaval 2022: Seja com que máscara for, saberemos nos cuidar

O carnaval é uma convenção, mas não uma convenção qualquer. Ele nasceu da reação da plebe medieval à imposição da quaresma pela Igreja. Surgiu como resposta a uma imposição e se fixou como o grande momento do exagero e do descontrole do mundo cristão. Tornou-se uma festa tão importante que Bakhtin a usou como modelo para estudar o caráter revolucionário e iconoclasta da cultura popular. É essa festa questionadora de regras e hierarquias que chegou ao Brasil com os portugueses na forma de Entrudo, ocupando por mais de 300 anos os dias de carnaval com toda sorte de brincadeiras agressivas, como as batalhas de líquidos e pós nas ruas do Rio de Janeiro e das principais cidades brasileiras.

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O carnaval nasceu, enfim, do espírito de contestação e durante séculos tem empunhado a bandeira da oposição às regras. No caso brasileiro, nem as guerras, os lutos nacionais ou os surtos de doenças foram suficientes para impedir a população de ocupar as ruas com as mais diferentes formas de diversão popular. Expressões máximas do carnaval à moda carioca, as escolas de samba não fugiram à regra e mantiveram-se firmes mesmo nos anos sombrios da Segunda Grande Guerra quando, de 1943 a 1945, abandonavam o tradicional tablado da Praça Onze para apresentarem seus enredos patrióticos em torno do obelisco da Avenida Rio Branco. Nada parecia deter o ímpeto carnavalesco do povo brasileiro.

Até que apareceu a Covid-19. E, pela primeira vez, silenciou-se a voz do morro.

Foi então que percebemos que não dá para viver sem ouvir nossos repiniques, que não podemos ficar tanto tempo longe de nossas bandeiras, que não aguentamos de saudade do cimento das arquibancadas, que precisamos venerar nossos artistas do carnaval e que o samba corre em nosso sangue e nos mantém vivos.

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Se a doença nos fez mais cuidadosos, o carnaval nos lembra que precisamos reagir. Sempre foi assim. Fazemos festa para comemorar as vitórias e para superar as derrotas. Cantamos e dançamos para dar boas-vindas aos que chegam e para matar a saudade dos que se foram. Nos disfarçamos para atrair uma alma gêmea ou para afastar os maus espíritos.

Portanto, que venha o carnaval. Seja com que máscara for, saberemos nos cuidar.

*Professor de História da Arte da Uerj, jurado do Estandarte de Ouro e folião das ruas e quadras desde a década de 1970