X

Artigo: O dia em que me consultei com Mãe Valéria de Oxóssi, vidente presa no golpe das obras de arte

Olhos de um verde clarinho, pés cuidados com unhas em rubi love bite, voz de professora de jardim de infância e promessas de um mundo repleto de amor verdadeiro, sexo e aventuras, tudo ao preço camarada de uma caixa de ovos, um pano de prato virgem e meia dúzia de velas brancas. Estive frente a frente com Rosa Stanesco Nicolau, mais conhecida como Mãe Valéria de Oxóssi, em uma tarde nublada de Ipanema, numa terça-feira nos idos de 2007 – mas os crimes pelos quais ela poderia responder na época eram bem mais suaves que os trambiques em torno de roubo de obras de arte e estelionato de velhinhas indefesas. Na época, Valéria era acusada apenas de emporcalhar as ruas do Rio com cartazes prometendo trazer o amor de volta em 3 dias.

Valéria não dava entrevistas, mas não foi difícil marcar um horário de consulta. Uma amiga agendou em meu nome. Disse que eu estava encalacrado por um amor não correspondido. Que não dormia de noite e estava bebendo demais. Valéria se compadeceu e arrumou um horário pro dia seguinte. No apartamento dela – em um prédio bacaninha da Maria Quitéria, quadra da praia, em Ipanema – nem sinal das obras de arte que a levaram à cadeia agora. Mobília simples, flores artificiais em vasos, um quadro com paisagem do Rio antigo na sala e um cachorrinho da raça Yorkshire zanzando pra lá e pra cá. No quarto de consultas, paredes vermelhas, velas acesas e imagens de santos católicos.

Mãe Valéria foi breve comigo. Disse compreender minhas aflições. “O amor vai e vem, mas quando a gente quer de verdade, ele vem e não vai mais”, foi mais ou menos o que ela me disse. Eu fiz que sim com a cabeça, mas evitei olhá-la em seus olhos de ametista – tenho um medo desgraçado de mexer com o futuro. Depois de jogar os búzios, ela disse que Júlia (esse foi o nome que dei ao meu amor não correspondido) estava pronta para cair em meus braços. Era só passar no mercado da esquina e fazer as comprinhas que ela encomendou. Depois, pediu que eu deixasse o valor da consulta – R$ 25 reais, na ocasião – na mesinha na saída do quarto. “Aqui é um lugar sagrado, aqui eu não mexo com dinheiro, entende?”.

Relacionadas

A reportagem sobre a visita saiu no Globo em um domingo. Eu descrevia a consulta e me concentrava mais na questão dos cartazes sujando os postes de Ipanema. Na segunda-feira, recebi um telefonema. “Aqui é a Jussara, assistente da Mãe Valéria. Ela quer falar contigo”. Ê, ê, não gostei. Fiquei de pé. Valéria foi novamente rápida comigo: “Aaammmeeeii a matéria, seu danado” . Sentei. Ela continuou. “Se quiser, volta aqui pra gente continuar a consulta. Talvez eu tenha mais coisas para te falar”.

Eu prometi que voltaria, mas, não voltei não.

* Renato Lemos é autor dos livros “O amanhã não existe” e “Enquanto nossos meninos dormem”