Menos de uma semana após dar uma entrevista de mais de cinco horas ao podcast Flow, o presidente Jair Bolsonaro repetiu a estratégia neste sábado, ao participar por quase três horas de uma entrevista com o jornalista Rica Perrone, do canal de Youtube Cara a Tapa. Apesar da conversa ter ocorrido em tom amigável, também houve questionamentos mais duros. Bolsonaro inclusive evitou responder um deles: se já praticou a “rachadinha”, como é chamado o esquema de obrigar os servidores a devolver parte do salário.
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Durante a conversa, entre perguntas sobre a eleição e a pandemia de Covid-19, houve espaço para piadas entre os dois, muitas delas homofóbicas ou gordofóbicas.
O tema da “rachadinha” foi levantado já no fim da entrevista. Bolsonaro disse que a “prática é meio comum” em gabinetes de políticos, mas afirmou que não iria falar do seu próprio caso. O esquema consiste em obrigar os seus funcionários a devolver parte do seu salário.
— É uma prática meio comum, concordo contigo. É meio comum. Não só no Legislativo, não. Também no Executivo. Até no outro Poder também. Cargo de comissão, você pode colocar quem você bem entender.
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Perrone perguntou se “sobraria” alguém na política que não cometeu a “rachadinha”, e o presidente disse:
— Sobra pouca gente.
O entrevistador, então, questionou diretamente se o presidente iria “sobrar”.
— Não vou falar de mim. Sou suspeito para falar de mim. Você não tem servidor meu falando que, denunciando…
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Um dos filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), é investigado por essa suspeita e chegou a ser denunciado, mas o caso teve que ser reiniciado. O Ministério Público também já disse ter visto “indícios suficientes” de um esquema de de “rachadinha” no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Além disso, como o GLOBO revelou, alguns dos servidores suspeitos de serem fantasmas no gabinete de Flávio e de Carlos também trabalharam para Bolsonaro quando ele era deputado federal.
Na entrevista, Bolsonaro também disse que muitos políticos realizam a prática para poder contratar mais pessoas. Essa foi uma das justificativas apresentadas por Fabrício Queiroz, suspeito de operar o esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio, ao Ministério Público.
— Muitas vezes o cara faz isso para poder pagar mais gente. Você pode ver…Quando cheguei em Brasília, você podia botar até 15 assessores, mais ou menos. O tempo foi passando, até eu sair em 2018, eram 25. Qual a intenção? Evitar isso daí.
Flávio foi denunciado pelo MP
Flávio Bolsonaro passou a ser investigado por “rachadinha” em 2018, após o relatório Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontar movimentações suspeitas na conta bancária de Queiroz, ex-assessor de Flavio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Em novembro de 2020, as investigações do MP do Rio resultaram na denúncia de Flavio, Queiroz e mais 15 pessoas por crimes como peculato e lavagem de dinheiro, com base em provas como a movimentação financeira dos funcionários do gabinete e uma colaboração de uma ex-funcionária. O senador foi acusado de liderar da organização criminosa.
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Para tentar anular as investigações, a defesa do senador apresentou diversos recursos aos tribunais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou anulando as quebras de sigilo bancário e fiscal determinadas pelo juiz Flávio Itabaiana, sob o entendimento de que ele não fundamentou adequadamente a justificava para autorizar as quebras.
Na sequência, o STF também determinou a anulação de parte dos relatórios do Coaf usados na investigação. A interpretação é de que os documentos foram produzidos de forma ilegal, o que acabou esvaziando as provas da denúncia. Por isso, o MP do Rio entendeu que não é possível o prosseguimento da acusação e que as investigações precisariam ser refeitas.
Sem admitir erros
Na entrevista, Bolsonaro não admitiu nenhum erro de sua administração. Disse que o governo enfrentou pandemia, guerra e seca, mas citou “possíveis falhas” entre as quais a negociação com o Congresso, que, segundo ele, poderia ter sido melhor.
— Não vejo erro, mas possíveis falhas. Os ministros são muito técnicos, maioria com experiência zero na política. Negociação com parlamento poderia ter sido melhor. Já melhorou bastante, coloquei o Ciro (Nogueira, ministro da Casa Civil), melhorou bastante a conversa com o parlamento, pessoa que tem dado conta do recado.
Em outro momento, Bolsonaro foi questionado sobre a operação do FBI na mansão do ex-presidente americano Donald Trump, seu aliado. Trump é suspeito de ter descumprido a Lei de Espionagem, por ter levado para casa documentos confidenciais.
Bolsonaro disse que não conversou com Trump e minimizou a suspeita:
— Tenho liberdade de conversar com Trump, mas não liguei para ele. Teve uma busca e apreensão, essa? Foram buscar papeis lá, secretos, sigilosos, que teria sido guardado com ele. Agora, um presidente, você não precisa de papéis. Eu tenho informações privilegiadas, vão fazer o que? Vão me prender agora? — disse o presidente.
Bolsonaro voltou a dizer que não há corrupção em seu governo e citou que a investigação sobre os pastores que atuavam como lobistas no Ministério da Educação tinha como objetivo atingir os evangélicos, base eleitoral do presidente.
— Quantos casos tivemos em nosso governo? Nada. Ah, um pastor queria fazer não sei o que lá. É um pastor, para atingir os pastores, para atingir os evangélicos. Tem alguma mala de dinheiro? Teve alguma coisa? Se aparecer algo errado a gente colabora com a investigação. Até o momento não tem. Pode aparecer? Pode aparecer. Não tem corrupção, fechamos a torneira.
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Durante a transmissão, Bolsonaro recebeu uma bola de futebol do ator Thiago Gagliasso, irmão do ator Bruno Gagliasso, e candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro. Segundo o ator, o presente foi autografado por Neymar.
— É assinada pelo Neymar, o pessoal lá te desejou boa sorte. É a bola da Copa, oficial.
Com quase três horas de duração, a entrevista só foi interrompida, no final, depois de uma ligação que, segundo o presidente, era da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o cobrando a ir para a Marcha para Jesus, marcada para iniciar 15h no Rio de Janeiro.